"No final de 2012, já de regresso ao meu Minnesota natal, após três décadas de cobertura jornalística do Vaticano, continuava a observar o Papa Bento XVI à distância. Por vezes, a distância ajuda-nos a ver coisas que de outra forma seriam invisíveis.
Aos 85 anos ,o papa alemão parecia estar em declínio. (...) Em Novembro nomeou inesperadamente seis novos cardeais - inesperadamente porque, ainda nesse ano, tinha já criado 22 cardeais. Ele parecia estar a abastecer o Colégio Cardinalício para um conclave.
Escrevi a alguns dos meus colegas jornalistas em Roma e perguntei-lhes se julgavam que o papa poderia estar a ponderar a renúncia. Nenhum deles estava muito interessado. Parecia-lhes uma fantasia de alguém que se mudara para a América.
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Em Janeiro de 2013, eu já tinha o meu próprio cenário em mente. Se fosse abdicar, pensei, o Papa Bento XVI associá-lo-ia à festividade da Cátedra de S. Pedro, a 22 de Fevereiro. É uma festa relacionada com o papel do papa e a sua autoridade, e pontífices anteriores usaram a data para emitir documentos importantes sobre o papado. Sugeri essa ideia em e-mails às minhas fontes habituais em Roma: 'Acha que ele vai abdicar em Fevereiro e convocar um conclave para a festividade da Cátedra de São Pedro?'. Ninguém levou a possibilidade muito a sério.
Decidi marcar um voo para Roma, de qualquer maneira, e cheguei a 10 de Fevereiro, um domingo. Na manhã seguinte, entrei na sala de Imprensa do Vaticano mesmo a tempo de ouvir o final de uma palestra do Papa Bento XVI em latim aos cardeais, naquela que, supostamente, devia ser uma cerimónia rotineira. O olhar chocado nos rostos dos meus colegas confirmou o que um amigo acabara de me gritar à entrada: o papa acabara de renunciar.
Com um único gesto, Bento XVI, o mais tradicional dos papas, revolucionara o papado. Não a 22, afinal, mas a 11 de Fevereiro, que a Igreja Católica celebra como o Dia Mundial dos Doentes. O que era mais notável no anúncio da abdicação, porém, era que o papa não estava a revelar nenhuma enfermidade grave, mas simplesmente uma falta de energia. Para se ser papa nos tempos modernos, disse ele, era necessário um vigor que já não possuía, e por isso estava na altura de ceder o seu lugar. Um papa frágil poderia ter sido tolerado um século antes, quando se limitaria a emitir decretos atrás dos muros do Vaticano, mas não era aceitável num mundo que exige actividade, comunicação e presença física do papa. Com efeito, ele estava a adaptar uma das mais antigas instituições da Igreja às exigências da sociedade contemporânea - uma forma muito pouco tradicional de se pensar e que foi vista da forma errada por algumas pessoas.
Na Polónia, o cardeal Stanislaw Dziwisz terá alegadamente reagido com as palavras: 'Não se pode descer da cruz', uma manifesta alusão à convicção de João Paulo II, que resistiu à tentação de abdicar, apesar das suas provações físicas. (...) Na sua última grande audiência pública, a 27 de Fevereiro, um dia antes de a resignação ser efectiva, Bento declarou: 'Não abandono a cruz, mas permaneço de uma forma nova junto do Senhor Crucificado'"
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Sublinhei esta passagem, mesmo no final do livro como epílogo da carreira do jornalista do papado. Estava para meter isto na data alusiva, mas escapou-me. Lembrei-me de repente. Creio que nenhum relato de Imprensa tuga marcou a data, quer do anúncio da renúncia quer do último dia de Bento XVI como papa, apesar da presença em Roma de vários repórteres do esquecimento que são essa chusma basicamente televisiva onde o momento é tão efémero com as gajas como com os papas. Ainda por estes dias não se assinalou a queda da ponte de Entre-os-Rios, a 4 de Março de 2001, não obstante uma chusma de jornalistas lá ter andado na corrente dos dias e na voragem 'debitativa' a par do imparável rio, que ainda levou um ou outro a director disto e daquilo. Entretanto, ontem, a parvalheira nacional lembrava um ano do falecimento do Fidel moderno e uma ridícula coisa anacrónica chamada, e falhada, revolução bolivariana que também dá a conhecer a sua cara hoje na Venezuela a pão e água (e umas balas e açoites, silêncios informativos e conspiração regimental de cariz estalinista). Ou os 45 anos do terramoto de 28/2/29169...
E lembrava-me do livro quando há tempos a praga da pedofilia e um caso antigo trazido a lume por esses dias, e tratado num capítulo do livro (IV, Nuestro Padre, sobre Marcial Maciel Degollado, já falecido) que podia ajudar os jornalistas a contextualizarem o tema e não divagarem em acusações difusas, voltou às pantalhas com a superficialidade costumeira dos que não se esforçam por tratar os temas como deve ser: sempre acusado do encobrimento (a "boa Imprensa" livrou João Paulo II do opróbrio), Bento XVI tratou politicamente o caso, não o abafando mas sabendo punir e afastar o legado desse cardeal mexicano que criara uma fundação com uma influência imparável no seio da Igreja com os seus Legionários de Cristo.
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Cada vez mais tem premência questionar um novo rumo no FC Porto a nível da presidência. Um Francisco viria a calhar, com tão "boa Imprensa" e cativando o mundo com uma simpatia e feeling humano tão contrastantes com o antecessor? Jã não vejo com muita graça o novo papa que quer agarrar a simpatia de todos, ainda que os desanime por não operar as mudanças que tantos, estranhos à realidade da Igreja, pediriam. É um momento delicado e de reflexão séria. Não é que precisasse de um jornalista da Igreja para me inspirar, mas coincidiu com este tempo de menos confiança nas capacidades de Pinto da Costa, teimosamente a querer demonstrar uma energia que não tem a agir, sofrendo com a imposição de ter de reagir. E percebi melhor o sentido de resignação do papa alemão. Mais um alemão para nos ensinar um par de coisas. E umas lições de jornalismo, que bem falta fazem também.
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