Gomes, o bibota

Aproveitando a reaproximação entre o presidente Pinto da Costa e o bibota de ouro Fernando Gomes, o que deixa transparecer que a tempestade já lá vai, coloco aqui um texto que mostra quem foi este grande goleador e a grande paixão que representa o FCPorto para ele, que foi o meu e o ídolo infância de muitos portistas. Servem também estas palavras para os mais velhos se recordarem de alguns grandes momentos e dá a conhecer aos mais novos um dos eternos símbolos deste glorioso clube.

O homem golo

É o melhor marcador de toda a história do FC Porto. É o homem que mais golos conseguiu no Estádio das Antas.

Fernando Gomes não esquece o seu primeiro jogo, a 8 de Setembro de 1974, frente à CUF, no Estádio das Antas: "Não podia ter corrido melhor. Vestia pela primeira vez a camiso­la da equipa principal do Porto, o meu clube de coração, e marquei os dois golos da vitória."

Não demorou muito e Gomes ganhou o estatuto de um dos meninos queridos da massa associativa e alimentava esse estatuto com golos que ficaram para a história. Ajudou à con­quista do histórico bi-campeonato 77-78 e 78-79, e, por essa altura, já coleccionava "Bolas de Prata". A 24 de Outubro de 1979 vive uma das noites mágicas das Antas. "O Porto derrotou o Real Madrid por 2-1, marquei os dois golos. Fabuloso."

O estádio vibrou, e de que forma, com aquele triunfo histórico: "Para mim soube a dobrar pois no dia anterior lesionei-me no adutor da perna direita, e, curiosamente, foi com o pé direito, que marquei os dois golos, e ajudei a der­rotar o poderoso Real Madrid."

Gomes opta pela carreira no estrangeiro, esteve duas épocas em Espanha ao serviço do Gijon mas regressa às Antas pela mão de Pinto da Costa. Pouco depois o Porto dá início a uma das mais brilhantes campanhas europeias do clube. O primeiro adversário na Taça das Taças é o Dínamo de Zagreb. Na primeira mão o Porto perdeu por 2-1. "Marquei o nosso golo, mas fiz o único penalti da minha carreira e acabámos por ser derrotados." Quinze dias depois, numa noite de chuva, a 28 de Setembro de 1983, lá estava o Estádio das Antas cheio, à espera de um único tento para que a equipa seguisse em frente na Taça das Taças. Foi tudo muito doloroso, "jogá­mos muito bem, dominámos do princípio ao fim, tivemos, sem exagero, umas dez ocasiões de golo, mas a sorte não que­ria nada connosco. O tempo passava e já ninguém acreditava na possibilidade de vencermos a eliminatória. Tínhamos a consciência de que o jogo já estava nos descontos, nas ban­cadas já se viam clareiras, pois alguns dos nossos adeptos abandonavam o estádio perante tal destino. Até que, depois de alguma confusão na área e de alguns ressaltos, consigo o golo. Foi uma sensação indescritível, corri de uma baliza à outra, nas bancadas só se via gente aos saltos, guarda-chuvas pelo ar.... Uma festa imensa. Foi dos golos que vivi com mais intensidade em toda a minha carreira".

O Porto haveria de chegar à final da Taça das Taças, onde foi derrotado pela Juventus. A frustração foi atenuada à custa de mais um bi-campeonato, em 1984-85, época em que Fernando Gomes foi pela segunda vez o melhor goleador da Europa com 39 golos. No último jogo do novo "bi", o Porto estava obrigado a vencer o Covilhã, tal a pressão exercida pelo Benfica. As Antas gelam quando os serranos fazem o 0-1, o Porto chega ao intervalo a perder e o Benfica é virtual­mente o novo campeão. "Sabíamos que tínhamos de vencer mas estava tudo muito complicado. Sentia-se o nervoso miudinho que passeava nas bancadas." Mas Fernando Gomes depressa acalmou os sócios do FC Porto. "Num dos golos mais bonitos da minha carreira, consegui o empate. Estava na área, descaído para o lado esquerdo, recebo um cruzamento no peito e sem deixar cair a bola, todo no ar, remato para golo. É decididamente um dos golos mais boni­tos que marquei." O Porto venceu por 4-2, Gomes ainda mar­cou outro golo e viveu mais um dia de conquista e alegria no Estádio das Antas.

No álbum de recordações destaca ainda dois jogos da temporada 1976-77. "Por duas vezes consegui marcar seis golos numa partida. Frente ao Atlético, vencemos por 8-2 e contra o Belenenses a quem ganhamos por 8-0."

A fechar uma vida de memórias no Estádio das Antas, uma das recordações mais intensas. Já com a camisola do Sporting, Fernando Gomes vai jogar às Antas, estava na últi­ma época da sua carreira. "Durante o jogo mantive-me o mais distante possível de todas as recordações que tinha daquele estádio. Fiz o meu trabalho, honrei a camisola do Sporting e como sempre dei o máximo." No fim da partida foi impossível conter as emo­ções. Fernando Gomes despe a camisola do Sporting e vai entregá-la à claque do FC Porto. "Na­quele momento eu não sabia se levava a cami­sola do Sporting ou a do Porto. Pediram-me tanto a minha camisola que fiquei confuso, tive a sen­sação de sempre, ía ali como jogador do Porto dar a minha camisola. Algo que fiz dezenas de vezes ao longo da car­reira." Assim se despediu Fernando Gomes da massa associa­tiva do Porto, "não foi a despedida que sempre desejei, pois tinha o sonho de acabar a carreira de azul e branco ao peito. Eu que sempre ultrapassei todas as dificuldades não consegui esse final de carreira. Quem tinha o poder de decidir optou por me dispensar. A vida às vezes não nos dá o que queremos. 14 anos depois mantenho o desejo e a vontade de regressar ao meu clube de sempre".

In t’Antas Glórias de Júlio Magalhães, Págs. 49, 50 e 51, Edição de Novembro de 2003