O regresso do Apito Dourado

«O apito dourado continua a pairar e a merecer todas as honras. De repente, tudo mexeu. A justiça – esse buraco negro da nossa democracia – está trabalhar a todo o vapor. Os criminosos que se cuidem. Se um apitozinho merece tanta atenção e tal concentração de meios, o crime organizado, os gangs, o branqueamento de capitais, a fraude fiscal, o proxenetismo, a violência doméstica, o banditismo, a pequena violência, têm os seus dias contados.

Demais, se não temos os meios científicos do CSI, temos as escutas telefónicas e bufos à mão, que ainda são os meios mais seguros de obter provas. É um mercado que se tem valorizado muito, ultimamente. LFV, ao contrário do que alguns foristas referiram, não se tem mantido calado. Pelo contrário : substitui-se aos responsáveis a quem foi entregue a coordenação do processo Apito Dourado, lança denúncias, repete ameaças, pressiona a FPF, repreende Madaíl, louva Hermínio Loureiro, diz que tem provas gravíssimas que afectam já o futebol juvenil e júnior, avaliza a nomeação de Maria José Morgado e acredita que o próximo ano trará grandes novidades sobre o futebol português.

Em pleno Natal, destila ódio por todo o lado. Não é justiça que quer. É guerra : quem semeia ventos….. Fala na TV, como se fora o dono de Portugal. É preciso que alguém lhe lembre que o futebol não é excepção : não voltamos (ainda) ao 24 de Abril, dos Calabotes, sejam militares ou não, com ou sem paixão. Ou será que estamos em vias de lá chegar?

Quem leu o Jogo e os comentários de alguns ex-árbitros sobre alguns lances duvidosos do jogo entre o SLB e o Belenenses, tem de ficar apreensivo. Será que a "verdade" não sofre a subtil pressão de interesses instalados? O primeiro golo do FCP/AAC foi mais vezes repetido que todas as jogadas duvidosas - no jogo entre SLB/FCB - e foram muitas. Os comentários que se ouvem serão proferidos no quadro de total liberdade de expressão, ou seguem o roteiro da força dominante : o SLB? Como é possível que personalidades tão diferentes e com perspectivas tão dispares consigam convergir.

Nessa estranha "coligação", encontrámos Luís Filipe Vieira, José Veiga, Carolina Salgado, Ricardo Bexiga, Pacheco Pereira, José Manuel Fernandes e São José Almeida que, hoje no Público, escreve : "Ao fazer saltar a tampa da panela de pressão do clima de degradação ética das elites em Portugal, Carolina Salgado assume os seus direitos de cidadã e expõe um importante sintoma da crise de valores". Este artigo é aliás muito curioso e polémico. Vale a pena ler e pensar, para termos uma melhor noção do ponto da situação.

Desporto, degradação das elites, máfia, corrupção, branqueamento, tráfico de influências, promiscuidade entre futebol e política, está tudo no Apito Dourado, exclusivamente lá. Os arguidos são réus. O país pode ficar sossegado. Os criminosos estão identificados. A justiça (já) vai a caminho. O castigo promete ser exemplar.

Se fora um estranho diria que vivemos numa estranha democracia que se submete aos ditames de um sujeitinho que por presidir ao maior clube do mundo, julga que é intocável. Talvez goze de imunidade? Talvez esteja a cima da lei?

Maria José Morgado obteve o pleno : ninguém discorda da sua nomeação. É estranho? Que qualidades, que poderes tem esta mulher para merecer tal unanimidade. Sempre ouvi dizer que quando pensamos todos igual, ninguém está a pensar. Talvez influenciado pela cultura americana, habituei-me a ver os magistrados do Ministério Público como funcionários a quem importa sobretudo obter condenações a troco da subida na carreira. Ao invés, os advogados de defesa, quase sempre revi como heróis, pela disponibilidade para inocentar quem se sentava (injustamente) na cadeira dos réus. Sabemos que não é assim. Há os dois lados, os bons e os maus, os inocentes e os culpados. Mas, não se queira julgar antes do Tribunal. Nem condicionar o MP. É lamentável que cidadãos da elite política e cultural se atrevam a julgar, façam gravíssimas acusações, quando defendem o princípio da universalidade da presunção de inocência. Quer se seja pobre, rico, ministro, prostituta, do Porto, de Lisboa, do FCP ou do SLB, todos deviam ser tratados por igual. Acho que PC é a excepção neste país.

Mas é lamentável que PC se tenha posto a jeito. Não reagirá, por prudência ou por medo? Somos cilindrados todos os dias. Não há contra-informação. Impera o silêncio. Não fora MST ou MS e não haveria qualquer reacção. Como portista sinto-me constrangido e sem defesa. O FCP precisa de uma direcção activa capaz de se bater contra os que nos querem abater. Não me distraiam com a dança de jogadores, entradas e saídas, para calar meninos. O FCP joga, hoje, num terreno bem mais movediço que o terreno do jogo e aquilo que temos sabido é que a equipa directiva que serve o FCP é pouco competitiva, está medrosa e sem capacidade de reacção. Não tenho coragem de pedir a demissão de PC, mas este marasmo não augura nada de bom. Não sei se este silêncio é uma prova de confiança dos justos na justiça, mas desgosta-me que não sejamos capazes de retaliar com senso e inteligência aos inúmeros ataques que temos sido alvos. Estou pessimista e desgostoso. O FCP de cócoras a servir de ceia aos abutres. É impensável e imperdoável. Que mais nos acontecerá?»

Mário Faria in Portal dos Dragões, 24/12/2006