04 março 2010

Professor volta a arrasar o assistente de Direito em Coimbra



Não resisto a copiar integralmente, em vez de remeter para um link, este texto creio que de hoje no Público e que acabei de ler na net ao pôr a leitura em dia. O professor Costa Andrade, depois do caso das escutas no Apito Dourado em que foi secundado por outros catedráticos e a opção da Liga apenas foi defendida por Vital Moreira e mais ninguém, volta a arrasar o assistente Ricardo Costa. Apesar de alguma escrita prolixa, a clareza da ideia e o primado do Direito saem reforçados na interpretação jurídica do caso do túnel da Luz e o abominável castigo a Hulk e Sapunaru.


Lamento só agora, de resto, poder fazê-lo, porque estive fora e, pelo visto, não há mesmo mais alguém para postar nem que seja algo como isto, razão pela qual, não podendo dar a assistência, atenção e cuidado que o blog sempre me mereceu, em breve este blog deixará de ter vida, pelo menos a própria que, desinteressadamente, lhe dou.


Quando fico longe da internet, jornais e tv não deixo de pensar no que encontrarei no regresso à terra e à actualidade. Julgava que a única coisa decente, corajosa e digna dos mais fortes elogios (e por isso registei) fosse a intrépida presença e denúncia de Manuela Moura Guedes na Comissão de Ética (que merda é essa?, já aqui a questionei) da AR. E se MMG disse tudo sem papas na língua, as papas que têm impedido muito boa gente deste País de se desintoxicar como se tivesse desaprendido de viver, pensar e falar livremente - há tantos ignaros que não se dão conta disso e um dia ruminarão noutra ditadura que se vão foder! -, já Manuel da Costa Andrade assume as suas afeições clubísticas e espera, porventura, que com outras cores ou outros entendimentos alguém ouse desafiar o que aí escreve e cujos destaques são, obviamente, da minha responsabilidade. De uma frontalidade sem par, resta questionarem-no sobre o que defende, sem pareceres encomendados e talvez por apenas uns centos de euros da colaboração regular neste jornal.


Opinião
"Sapunarulk", elegia pela justiça e proporcionalidade perdidas

Por Manuel da Costa Andrade



1. Positivamente, Hamlet tinha razão: há mesmo mais coisas, muito mais coisas, no céu e na terra do que nós podemos sonhar na nossa filosofia. Quem poderia ter antecipado nas suas locubrações filosóficas a possibilidade de ver um dia o que, entre o espanto e a galhofa, a generosa prodigalidade da Comissão Disciplinar (CD) da Liga Portuguesa de Futebol acaba de nos oferecer? O espectáculo de um Julgador que vem anunciar a sentença, proclamando que a profere e subscreve, embora consciente da sua injustiça e desproporcionalidade. E, por causa disso, inconstitucional, certo como é que o princípio de proporcionalidade configura, por imperativo constitucional, um axioma irredutível de toda a lei, ergo de toda a sentença. Dito noutros termos, a proporcionalidade configura uma dimensão ou categoria transcendental de todo o direito, maxime do direito sancionatório, punitivo e repressivo, que, de forma mais drástica, se projecta em compressão dos direitos fundamentais. Manifestamente, não é fácil descortinar o que mais admirar nesta CD: se a monstruosidade - por injustiça e desproporcionalidade - da decisão; se o quadro cénico com que foi servida. Com o seu criador a desdobrar-se num arremedo de Jano. Com um rosto banhado de narcisismo e inebriado pela felicidade de mais um momentoso momento de "justiça desportiva"; e, com outro rosto, vestido de amofinada carpideira a riscar o ar com os gritos de quem sente na alma os golpes da injustiça e desproporcionalidade.

Numa primeira observação, importa sublinhar que a injustiça e a desproporcionalidade não decorrem da lei - concretamente do Regulamento Disciplinar da Liga -, devendo levar-se exclusivamente à conta do seu intérprete. Não estão na law in book, resultam da law in action, isto é, são obra do arbítrio de quem lê, treslê e aplica a lei. Em boa verdade, a lei não impõe, sequer sugere, que seguranças privados sejam "intervenientes no jogo": nem faria sentido que o dissesse, já que eles não intervêm no jogo, na diversidade de planos, funções e papéis em que este se desdobra. Os seguranças privados não integram o universo daqueles que contribuem para a densidade agónica própria da competição desportiva no contexto da sociedade moderna, em relação à qual cumpre insupríveis e relevantes funções e serviços: desde uma função de catarse e evasão, até uma função de identidade, coesão e memória comuns. O "interveniente no jogo" mantém uma relação dinâmica de interacção, física ou simbólica, de cumplicidade ou de conflitualidade, com os "outros significantes" do jogo: companheiros de equipa, adversários, árbitro, treinador, banco, etc. No mais generoso dos limites, pode falar-se de interacção simbólica com o público e, sobretudo, com as "claques". O catálogo poderia alongar-se. Mas será forçoso parar. E parar a partir do momento em que, à margem de toda a dúvida, deixa de subsistir aquela teia de relação e interacção. Como sucede com os seguranças privados de um clube. Que, no contexto do jogo, não interagem nem física nem simbolicamente com os outros "intervenientes". Em definitivo, eles não pertencem - nem como protagonistas, nem como actores secundários, nem sequer como figurantes anónimos - ao drama do jogo, a que são inteiramente alheios. Pela mesma razão que os seguranças do hospital não são "intervenientes no acto médico"; como os seguranças da CD (se os há) não são - sorte a deles! - "intervenientes nos seus desvarios justiceiros".

Sendo claro que a lei não impõe a classificação dos seguranças como "intervenientes no jogo", quid inde se, apesar de tudo, a mesma lei deixasse subsistir alguma sombra de dúvida? Ela só poderia ser superada a favor da interpretação mais restritiva, a única consonante com a justiça e a proporcionalidade. Isto, em consonância com os desígnios de fundo da própria Constituição em matéria de processos sancionatórios. Mesmo que para tanto fosse indispensável lançar mão de mecanismos de interpretação e aplicação restritivas da lei. Para lograr uma interpretação consonante com as exigências de proporcionalidade. Não é no quadro normativo, global e sistematicamente considerado, ao dispor da CD, que radicam as razões da injustiça e da desproporcionalidade. Também não podem buscar-se em limitações ou deficiências de cariz intelectual da mesma CD, certo como é que ela não deixa de representar, anunciar e denunciar a injustiça e a desproporcionalidade. Só podem imputar-se a deficiências ou vícios da vontade. A CD decidiu assim porque quis. Sabia que proferia uma decisão injusta e desproporcionada, e foi isso que dolosamente fez.Podia ao menos poupar a cena lastimável daquele espectáculo de derramar lágrimas de proporcionalidade sobre a desproporcionalidade da sua criatura.
Depois de tripudiar sobre a lei e as virtualidades de justiça e de proporcionalidade que a mesma lei alberga na sua letra, no seu espírito, no seu sistema e no seu horizonte constitucional, restava o gesto digno de ser autêntica e crescidinha. E querer o que verdadeiramente queria. Silenciando os indecorosos clamores de carpideira menor. Um silêncio que teria uma vantagem inestimável. Não acordaria o panglóssico presidente da Liga do seu sonho de acreditar que deixa atrás de si um futebol credibilizado. Um dia esse sonho há-de converter-se em pesadelo. Será no dia em que as intempéries vindas dos tribunais desabarem sobre as primícias acrisoladas da credibilização devidas à sua CD. Até lá, há direito ao sonho. De mais a mais, quando o pesadelo chegar, já lá estarão outros a enfrentá-lo.


Professor da Fac. de Direito de Coimbra, sócio da Académica e simpatizante do FC Porto

6 comentários:

  1. Pois, este é um texto que obviamente me faz sentir (ainda mais) revoltado. É factual e quase redundadnte com muito do que se tem lido por aí. Também é uma lufada depois de meia dúzia de artigos de Farinhas e companhia terem andado por aí a intoxicar a opinião pública. Numa coisa tão injusta onde qualquer pessoa que ponha um pingo de moralidade à frente do fanatismo clubístico saberá admitir que o castigo aplicado foi de uma tremenda injustiça ainda somos vistos como tendo sido poupados...

    No caso do pífio apito final ainda me dei ao trabalho de ler os acórdãos do CD da Liga e ficar (ainda) mais enojado e perplexo pelas conslusões que, se para um leigo achei um verdadeiro insulto à minha inteligência, imagino o que terá sido para alguém de direito que não use as ditas palas.

    Neste caso, nem a isso me dei. Para quê? 120 páginas de diarreia mental? Mas pensem lá, numa coisa tão simples como uma troca de insultos e empurrões e consequente agressão são precisas 120 páginas a deliberar o caso? Poupem-me!

    No caso do apito final também se criou alguma ilusão de que a aberração e o monstro criados viriam a desabar mas a verdade é que comemos e mais nada. Lerpamos com a fama, com as multas, os castigos e a humilhação constante quer do próprio (que agora repetiu no anúncio aos castigos) quer pela alarvice e o festim que foi sendo propagado na comunicação social. Foi e será durante muito tempo.

    Para este caso, também não acredito que venha a ser diferente. Nem que o Papa faça uma vaquinha e dê cá um pulinho para lhe puxar as orelhas. Este vai ser mais um sapinho para degustarmos por algum tempo. O apito, o castigo do Lizandro, agora os túneis... este senhor não quer que nos falte nada!

    Gostei muito da última parte: "Um dia esse sonho há-de converter-se em pesadelo. Será no dia em que as intempéries vindas dos tribunais desabarem sobre as primícias acrisoladas da credibilização devidas à sua CD."

    Eu inspiro, expiro e vou também sonhando por esse dia...

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  2. Excelente artigo, arrasa por completo o tolinho, um documento como o outro diz a guardar para memória futura.Quanto ao Zé Luiz de deixar em breve escrever neste blog, será uma perda enorme, pois acho os seus comentários sempre muito pertinentes e perspicazes, espero que reconsidere, pois a blogesfera PORTISTA ficará mais pobre.

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  3. este, é o parágrafo que tudo resume:

    "Não é no quadro normativo, global e sistematicamente considerado, ao dispor da CD, que radicam as razões da injustiça e da desproporcionalidade. Também não podem buscar-se em limitações ou deficiências de cariz intelectual da mesma CD, certo como é que ela não deixa de representar, anunciar e denunciar a injustiça e a desproporcionalidade. Só podem imputar-se a deficiências ou vícios da vontade. A CD decidiu assim porque quis. Sabia que proferia uma decisão injusta e desproporcionada, e foi isso que dolosamente fez."

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  4. Meu caro :

    Quem não for faccioso perceberá ,
    de imediato , isto :

    ..."Sabia que proferia uma decisão injusta e desproporcionada, e foi isso que dolosamente fez"...

    Um abraço

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  5. Enquanto isto acontece a nossa SAD envia o comunicadozito da praxe e os jogadores juntam-se sem SAD, para fazer uma declaraçao de revolta pelo estado de coisas do futebol Portugues. Sem direcçao presente. Na calada faz-se dinheiro, sem ninguém saber quem sao. Sem dar a cara por aqueles que lhes enchem os bolsos. A hipocrisia é total.

    Depois os adeptos é que se chateiam com isto? Vigilias?

    A SAD nao tem politica nem estratégia de comunicaçao e o povo anda a dormir, sem ideais nem ideias, capacidade de associativismo e relutante de sair da sua toca na ilusao de uma segurança que nao existe. "Fica mal", um tipo dizer verdades, ser activista e verdadeiro, no pais dos brandos costumes e do "diz que disse".

    Vai-se andando com a cabeça entre as orelhas.

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