UEFA temeu TAS e vai ter de explicar o famigerado 1.04 d)

FC Porto comeu o Benfica de cebolada: predispunha-se a acatar uma eventual suspensão em 2009 se fosse condenado em Portugal. No jogo do tudo ou nada próprio dos desesperados (juntou-se-lhes o V. Guimarães), o Júri de Apelo fez tábua rasa de tudo e até pede clarificação da regra de admissão posta em causa e que pode servir qualquer clube no futuro

O FC Porto venceu o Benfica em toda a linha, meteu isco no anzol e a águia não comeu, antes queria a papa no pratinho de 2008-2009. A comunicação oficial da UEFA, datada de 13 de Junho mas que o FC Porto conhecia desde domingo à noite (notificado dia 15, tal como todas as partes, da FPF e V. Guimarães à Liga e ao Benfica que veio dizer não ter sido notificado), assinada pelo presidente do Júri de Apelo Michel Wuilleret, acabou com todas as dúvidas:

- esclareçam tudo em Portugal e;

- se porventura o caso da admissão do FC Porto vier à baila dentro de um ano então a famigerada alínea d) do artº 1.04 (posta em causa pela Associação Europeia de Clubes, que defendeu não só o FC Porto mas a sua aplicabilidade para todos os clubes no futuro e que quiçá pode um dia, ironicamente, servir ao Benfica que rejeita esta interpretação) terá de ser clarificada pela própria Comissão de Controlo e Disciplina da UEFA.

Cá se fazem cá se pagam.

O despacho do Júri de Apelo, historiando todo o processo inclusive com os avanços e recuos da responsabilidade do inábil João Leal na FPF agora sob a ira do Benfica, é taxativo. Datas, informações, queixas, apelos, decisões, tudo esclarecedor. Da bronca inicial da FPF (fax de 15 de Maio), à correcção de 2 de Junho, do protesto do FC Porto, do chumbo da CCD da UEFA até os clubes serem ouvidos na última 6ª feira, 13.

O FC Porto tinha, de resto, jurisprudência no TAS, o Tribunal Arbitral do Desporto sediado em Lausana, última instância, fora da UEFA, a que os Dragões podiam recorrer. Decerto não iriam a tempo, se fossem excluídos agora da Europa, mas uma indemnização sorriria posteriormente aos azuis-e-brancos.

É que o TAS já sentenciou por duas vezes em condições favoráveis aos pretendentes/peticionantes: o ciclista Valverde, com a Federação espanhola da modalidade, ganhou em 2007 um processo à UCI que queria impedi-lo de participar numa prova; e o Anderlecht também viu confirmada no TAS uma reclamação, em 1998, contra a própria UEFA.

Ora, com jurisprudência do TAS metia logo freio á UEFA.

O 1º parágrafo diz que “para evitar que o FC Porto sofresse um prejuízo irreparável na hipótese de vir a ser ilibado de quaisquer culpas pelas tentativas de corrupção, justifica-se admiti-lo à CL 2008-09 desde que preencha as outras condições exigidas”.

Bem, o Benfica, no último acto de desespero, ontem em comunicado, salvaguardava o “disposto no artigo 1.08 do Regulamento da Champions League, ao abrigo do qual, a todo tempo, um Clube pode ser excluído da competição assim que apurado que não cumpre os critérios de admissão”.

Sempre em campo e no tempo errados, o Benfica não percebe que, se quis acelerar o processo fazendo “as coisas por outro lado”, proclamando, insano, que só uma decisão de 1ª instância, da CD da Liga e da CCD da UEFA, fossem válidas, como aquelas que lhe conviriam, a UEFA pretendia resolver tudo para fazer os sorteios sem condicionamentos.

No 2º parágrafo das conclusões, aponta-se que “aplicado o direito de julgamento das autoridades portuguesas de apelo e até que estas apresentem uma decisão em tempo razoável, caberá à CCD (UEFA) fundamentar (a questão) de fundo.

Para terminar, de forma esclarecedora (3º parágrafo):

“No seu exame da causa em profundidade, a CCD (UEFA) deverá explicar à luz da jurisprudência (nomeadamente as acções no TAS Valverde vs. UCI e Anderlecht vs. UEFA [dão as referências das acções], as suas razões de estimar que a sua decisão não seria considerada como uma sanção disciplinar, supondo que ela mantenha o seu ponto de vista [sublinhado meu].

E deverá [a CCD da UEFA] igualmente dizer o que ela entende por “implicado directamente ou indirectamente numa actividade destinada a influenciar de maneira ilícita o resultado de um jogo [art. 1.04, alínea d) das condições de admissão].

[Mais] Ela deverá finalmente precisar o campo de aplicação, tratando em particular o aspecto temporal. E deverá dar tempo às partes para se pronunciarem”.

Proposta do FC Porto rejeitada por Benfica e V. Guimarães
Mas todo o processo foi notoriamente mal conduzido e apontou para a leviandade com que a Comissão de Controlo e Disciplina agiu a 4 de Junho, desconsiderando a correcção da FPF de dia 2. Como vim analisando nos últimos dias.

Antes do mais, previ eu há dias:

Não me parece seguro que os adversários tenham tido em vista a repercussão de uma suspensão administrativa (não é uma sanção disciplinar, trata-se de respeitar critérios de admissão numa prova) da UEFA

(abrindo um parêntesis, aos cunhas e leais destas manobras de bastidores, eis porque o Gil Vicente ganhará o caso Mateus no TAS, pois a inscrição deste foi um acto administrativo que poderia ser dirimido em tribunal e o clube foi despromovido pelo recurso à justiça comum)

Ora, o instrutor da UEFA considerou “que a decisão contestada não é uma sanção disciplinar contra o FC Porto, mas uma decisão administrativa de admissão pelo exame dos diferentes critérios vertidos no regulamento da UCL”

Historiando os factos, o Júri confirma que a testemunha João Leal, da FPF, cometeu inexactidão na informação de 15 de Maio, corrigida a 2 de Junho. Concluiu-se que o protesto de Pinto da Costa será válido para o FC Porto, mesmo sem ter recorrido, se o presidente for ilibado de acusações que impendem iguais sobre o clube.

A estratégia do departamento jurídico do FC Porto, como eu a admiti, estava certa!

Com a contestação, a 6 de Junho, do FC Porto sobre a decisão do dia 4 da CCD (recusou a não retroactividade da lei e a sua não aplicabilidade em casos idênticos com clubes italianos), feito o recurso dia 11 para o Júri de Apelo, o FC Porto e o instrutor da UEFA (em nome da CCD) chegaram a um acordo:

- O FC Porto submete-se sem reservas a nova avaliação do caso em 2009-2010 mediante o que vier à luz dos recursos apresentados nos órgãos jurisdicionais em Portugal.

Foi mostrado isto a Benfica e V. Guimarães na última 6ª feira. Pois é, os amigos de Guimarães, afinal, sempre queriam aproveitar a boleia escandalosa do Benfica. Os dois clubes, interesseiros, rejeitaram. Queriam tudo resolvido já. O Júri de Apelo fez-lhes a vontade, como está explicado acima.

Como também me pareceu estranho a decisão/precipitação da UEFA que vim denunciando, eis o que resume o Júri de Apelo:

“Os debates deste dia permitiram, com efeito, precisar de maneira certa que as decisões reconhecendo o FC Porto culpado de tentativas de corrupção não são definitivas nem executadas [transitadas em julgado], até que o clube seja culpado no recurso. Chega, de facto, que o presidente do clube, condenado em primeira instância pelos mesmos factos remetidos contra o FC Porto, recorra das decisões para que o clube beneficie em caso de absolvição. Foi mal, portanto, à CCD considerar como definitiva a culpabilidade do FC Porto para o afastar da CL 2008-09. Face às contradições da FPF nas suas comunicações de 15 de Maio e 2 de Junho de 2008, a CCD devia clarificar a situação [ora, ela alheou-se das rectificações dadas dois dias antes da sua reunião de dia 4]. Pelo menos ela [CCD] não podia inferir que as sanções dirigidas ao FC Porto eram definitivamente prova de culpa. Seguramente que ela deveria pronunciar-se em tempo útil, mas tal não significa no entanto que tenha de agir com precipitação”

Os habituais três membros do Juri passaram a cinco. Ouvidas todas as partes, os cinco deliberaram, à porta fechada, esta linda história que serve maravilhosamente o FC Porto, condena o Benfica ao ostracismo dos seus pares europeus que preconizam um esclarecimento da famigerada alínea e deixa a UEFA com o ónus de alterá-la clarificando ou anulando (situação menos provável): afinal, quando deve ser aplicada, que tempo abrange e em que circunstâncias deve ser usada.

É bem feito, digo eu.