"O império que a vulgaridade intelectual exerce hoje sobre a vida pública é, porventura, o factor mais novo (...) Nunca o vulgo julgara ter "ideias" sobre as coisas. Tinha crenças, tradições, experiências, provérbios, hábitos mentais mas não se imaginava na posse de opiniões teóricas sobre o que as coisas são ou devem ser. (...) Hoje, pelo contrário, o homem médio tem as "ideias" mais taxativas sobre quanto acontece e tem de acontecer"
José Ortega y Gasset, Espanha 1929
Eu confesso que nem estranho não estranhar, mas neste país de paradoxos e ortodoxos, não deixo de me surpreender com a nossa idiosincrasia. Temos uma História de Portugal linda, empolgante e mítica, legada em especial por um zarolho que a contou de forma épica resgatando-a mesmo do mar que ameaçava sepultar Homem e Lenda. De resto, entre um país de marinheiros e ligação aos mares sem eu ver, agora, vocação ou construção naval que o justifique, e um país de poetas que julgamos também ser, sinto a perplexidade de desígnios não confirmados além do que as páginas de antanho nos legaram em qualquer das áreas.
Com a profusão de livros à volta do futebol que hoje se publicam nem vejo, sequer, se somos entendidos em bola e versados nas letras. Mas, sem ver, percebo que em terra de cegos quem tem olho quer reinar.
A constatação é de que quem fala de bola entrega a outros a explanação das ideias. Normalmente a jornalistas que, por seu lado, raramente escrevem sobre o tema em livro - e opiniões mais descabeladas não faltam. Bizarro ou não?
São jornalistas, hoje mais dados ao espectáculo que à informação denotando num e noutro lado falta de cultura e saber geral, que dão sabor a livros envenenados e vida própria a ponto de adulterá-los. Carolina e Veiga, no intervalo de um ano, deram flagrantes exemplos disso. Outros homens pretensamente de cultura aconselharam a leitura. Convenço-me que não somos o país de poetas que julgávamos e de escritores muito menos: a qualidade não tem acompanhado a quantidade.
Livros, estes livros da bola amiúde sem se falar do jogo mas do seu “entorno” e do caldo entornado, foram até propostos como prenda de Natal, oferecidos às dúzias a gente com barbas, promovidos à exaustão com recados de como ser campeão. Balelas.
Viram os jogos importantes?
Tudo embrulhado por jornalistas com esquizofrénico sentido de crítica, como o recente Porto-Guimarães foi exemplo.
Provavelmente o melhor jogo, vivo, intenso, perfumado, desta época, foi em geral desvalorizado. Começou por apreciações tão díspares de Lucho, o pior do FC Porto em Record e o melhor em campo para A Bola e O Jogo. De resto, comparando os dois jogos de sábado, por exemplo em O Jogo, o Belenenses terá feito uma exibição superior à do FC Porto, tal a profusão de notas altas aos de Belém. No Dragão, Record minimizou a actuação excelente do Guimarães com notas individuais baixas. Nem houve muita diferença para as notas do Benfica, decerto muito pior no Restelo. O nosso sentido de medida é ridículo. Ah, somos então o País do 8 e do 80. Este epitáfio resiste e não é grande coisa…
Para não variar, a SportTV passou quase toda a 2ª feira a dar excertos de jogos e a final completa da final do Mundial de Clubes. Fossem outros os resultados e não é ousado dizer-se que teria brindado os seus assinantes com um jogo entre o 1º e o 2º em risco de ficarem separados por um ponto, no Benfica-FC Porto, e entre o 1º e o 3º, como no excitante FC Porto-V. Guimarães, para muitos as equipas que melhor jogam em Portugal e o encontro demonstrou-o. Isto em semanas consecutivas. Afinal, quem faz a promoção do belo jogo em Portugal?
Sempre dividi a Imprensa Desportiva e Destrutiva. Esta "aparece" quando o FC Porto perde, viu-se agora no Nacional aquela capa, rara, que está sempre pronta para uma eventualidade...
Paixão, ou apetites com palavras
Há livros e livros. Há quem ache que (d)escreve a paixão que há em si mas enreda-se nas teias tácticas, entre um “jogador interessante” e uma “dinâmica de jogo entre linhas” aí como o Miguel deslumbrado Veloso. É o tédio no afunilamento da observação do jogo à luz das linhas curtas, a pressão alta e o desenho geométrico da distribuição de jogadores com o cúmulo de opinar-se sobre o melhor sistema (até se contradizer numa altura qualquer)…
Os livros “inducam” mas é preciso lê-los. Pelo menos saber umas partes de cor. Aquela miúda que no final do dia de Champions contracena com o Tadeia e recuperam o “Sr. Feliz e o Sr. Contente”, há dias teimou na incredulidade de ouvir Pinto da Costa anunciar em exclusivo à RTP (onde já não é “Feio, Porco e Mau”) que não saía nenhum jogador importante do FC Porto. A locutora de continuidade é nova mas apreendeu pecados velhos e não sabe que se o presidente do FC Porto diz que ninguém sai é mesmo assim. Não está habituada porque fala e ouve demais de outros clubes, mas basta ler um bocadinho jornais, nem é preciso livros, para além da ajuda que dão nas notícias do dia quentinhas da impressão em papel para debitar em TV sem direitos de autor, para perceber que no futebol tudo parece igual mas há uns mais iguais que outros e o presidente do FC Porto não vende kits nem gato Delgado por lebre Maxi Lopez…
Ma(i)nada!
As revelações em livro, agora também alvitradas em nome da obra a publicar de Octávio Machado, haja alguém conhecedor do meio e do tecido futebolísticos nacionais, são amiúde um fracasso. Literatura de cordel, tipo arroz carolino ensopado em ressentimento passional na angústia patente da memória dos amores idílicos, ou limpeza de imagem que não evita a comparação com quem cospe no prato onde comeu mas anseia voltar com promessas de títulos fantásticos. Cor-de-rosa, velho. O snob Ortega y Gasset já dizia há 80 anos:
"O homem médio encontra-se com "ideias" dentro de si, mas carece da função de "idear". Daí que as suas "ideias" [Como tornar o Benfica campeão] não sejam efectivamente senão apetites com palavras"
Deve ter sido por isso que o sábio Cajuda, apesar de não saber conter-se, disse um dia para Veiga "conhecer muita gente que queria ser presidente do FC Porto e nunca chegará a sê-lo".
Anunciam-se, amiúde com pré-aviso, obras literárias de dimensão inaudita. Até Camacho se intrigou como alguém supunha explicar como se faz um campeão.
Na onda livresca mais “soft”, só para entreter papalvos, até Nulo Gomes quis passar dos golos falhados aos livros feitos. Convencido de estar entre os melhores do mundo no Guiness e “mainada”, faltou convencer se terá as mesmas carências financeiras de Veiga para apelar à manada que compre um livreco de casa de banho. Mas as editoras, na dúvida sobre a próxima prima da obra da Carolina, arrebanham tudo…
Cópia pior que original
Em “A Rebelião das Massas”, Ortega y Gasset escrevia, já naquele tempo, que o vulgar tipo de rua, sem instrução alguma, desatou a saber e opinar sobre tudo. Passou de ignaro a iluminado. De repente, esta profusão de livros a que certos jornalistas emprestam adjectivos e conferem a identidade (em risco da credibilidade própria para benefício da de outrem) do “autor” real, demonstra isso mesmo. Já nem se questiona a moral cívica dos titulares, muito menos o seu cadastro criminal, veja-se o afamado "Macaco" e a história dos SuperDragões.
Atribui-se-lhes o mérito do livro que de facto não escreveram e de histórias que lhes interessam contar. Alguém desafiou Veiga a contar como levou Figo para o Real Madrid sem ser por uma janela de hotel... Ou em que ponto esteve Paul Le Guen antes de Trapattoni chegar à Luz para nem como campeão lá querer continuar… São perguntas sem resposta.
Pinto da Costa tem já uma profusão de títulos editoriais de fazer inveja. Deve ser por isso, mais uma vez, que outros se atreveram a ir onde não deviam. Mas a cópia é sempre pior que o original.
E até aí o copiaram. Com defeito.
Meus parabens, o artigo está uma delicia.
ResponderEliminarParabéns Zé Luís,mas, não tinhas uma foto mais ousada da ex-alternadeira (agora, muito badalada), C.A.V.
ResponderEliminargostei muito do post Zé Luís. Continua assim. Passa pelo meu depois.
ResponderEliminarA maioria dos livros publicados -incluindo claro- os que versam sobre Futebol não prestam para mais nada a não ser facultarem alguns segredos de outro modo seguramente inconfessáveis. Gosto muito de ler mas raramente encontro um livro que me preencha completamente, muitas vezes pareço estar quase a conseguir e...nada! Ou o epílogo é confuso, ou o teor narrativo é uma completa miscelânea de pensamentos esparsos e ininterligáveis, enfim difícil mesmo é encontrar algo que nos satisfaça em absoluto. Alguns livros permitem muitas leituras. De cada vez que a fazemos vemos novos conceitos explicitados e surge-nos como um livro completamente novo! Sempre que adquiro um, faço-o com a expectativa de nele encontrar algumas respostas a questões que me preocupam sériamente, o habitual é não encontrar satisfação a essas questões, como pelo contrário "sair do livro" com novas interrogações a torturarem-me o espírito...Ontem vi uma parte de uma série de programas sobre Chico Buarque de Holanda e neste capítulo ele mostrava pela enésima vez o seu grande amor ao Futebol...Mas Chico Buarque é um caso à parte! De resto a imensa maioria destes livros(?) de que o Zé Luís nos fala e que nos surgem às catadupas, só podem ter um destino: o esquecimento nos escaparates de quem os promove, o caixote do lixo ou a fogueira para nos poderem aquecer nas noites frias e com isso serem de algum modo úteis!
ResponderEliminarVenho por este meio dar os parabéns ao nosso Presidente que completa 70 anos de idade.
ResponderEliminarSetenta anos!!! Acho inacreditável a velocidade a que passa a vida e a nossa impotência para acompanha-la.
O velho guerreiro já faz setenta anos.
Jorge Nuno Pinto da Costa, se fosse Americano, estaria na galeria dos melhores, lado a lado com o George S.Patton e George Custer.
Mas não! Saiu Português...
Amigo Zé Luis,permita-me que faça um pequeno comentário ao seu post:CLAP,CLAP,CLAP!Amigo Miguel,Custer foi eliminado pelos "pele vermelha"!Pinto da Costa é perseguido pelos vermelhos cá do burgo,mas não eliminado,o que me leva a concluir que estes gajos teem pele vermelha mas é de raiva!
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarZirtaev, deixaste um pentelho entrar!
ResponderEliminarVe se vedas a entrada a gentalha ou o blog perde qualidade.
Este artista aqui de cima cheira a pele-vermelha!
Sublime este artigo para fechar 2007 em beleza. Parabéns
ResponderEliminarhttp://futworld.wordpress.com
Boa tarde a todos
ResponderEliminarEste post demonstra:
Sabedoria, cultura e acima de tudo
GOSTO POR FUTEBOL!
Obrigado amigo Ze Luis!
Abraço a todos
Bem, parece que basta passarmos uns dias fora para aparecerem logo alguns artistas armados em ignorantes.
ResponderEliminarPeço desculpas por só agora ter apagado o comentário em questão.
Qt ao post, mais um excelente para terminar em grande o ano. Obrigado Zé Luís pelas delícias que trazes ao blog.
Apenas uma coisa, chamar livros a certas acendalhas de fogueiras, quer sejam acendalhas na verdadeira acepção da palavra, quer sejam acendalhas metaforicamente falando, é um grande favor a esses autores que fazes Zé Luís.
Um abraço.
O teu comentário final caro Zirta, é pertinente, acendalhas destas são caríssimas, mas, se não houver outro destino a dar-lhes...Ao menos produzem algum calor, o que neste tempo que passamos, até é bem necessário!
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