Feito o ponto da situação sobre uma maior, e necessária, maleabilidade táctica por parte de Jesualdo Ferreira, mais resguardado nos jogos de alto risco, será porventura tempo de olhar mais de perto para os jogadores.
É que, tal como na incapacidade de ver-se que a equipa já joga em dois sistemas consoante as necessidades, também agora noto em muitos comentários uma predisposição para vaticínios infalíveis sobre as qualidades individuais ou o valor dos jogadores.
Fucile é o exemplo mais flagrante. Já muitos pronunciaram uma sentença aparentemente verdadeira e, pior ainda, inabalável. Fucile é o melhor para jogar a defesa-esquerdo. Não só não concordo como ponho outra questão.
O uruguaio, estou a citar de memória, jogou na Luz, em Vila do Conde e em Alvalade. Três jogos fora. Nas visitas ao Benfica e ao Sporting saiu-se muito bem. No Rio Ave foi um fracasso, teve até de sair pela hora de jogo e um outro defesa-esquerdo, Lino, foi fundamental para a meia hora final de vendaval de futebol que só por azar, e a cegueira pontual de Pedro Proença, não rendeu a vitória desejada.
Um jogador num sistema
Fucile jogou mediante um diferente figurino táctico, mais de contenção, menos aventureiro no ataque, em 4x4x2 (ou variantes). Quando foi preciso atacar, Fucile fracassou. A conclusão, para mim, é que como bom lateral sul-americano, Fucile defende melhor do que ataca (as excepções confiram a regra, de resto o preço é invariavelmente altíssimo e segue a fama do jogador excepcional). Muitos remataram as suas conclusões sobre a superioridade de Fucile em termos de defesas-laterais do FC Porto. Acho precipitado e de âmbito demasiado alargado.
Porque em corrente ofensiva, como mostrou frente ao Rio Ave e mesmo ante o Fenerbahce, Lino esteve muito bem. Tem vocação ofensiva, amiúde era mais médio-ala na Académica do que defesa-esquerdo e assim criou muitos problemas ao FC Porto nos jogos em Coimbra.
Ora, a conclusão parece ser a de Lino estar mais apto para a maioria dos jogos, de ataque continuado, do FC Porto na Liga. Fucile quando tocar mais a defender parece a solução óbvia. De resto, Lino tem pedigree nos livres directos – e só Bruno Alves não chega, há que diversificar opções nesses lances de tiro à baliza. Lino tem, pelo seu lado, muitas vantagens sobre Fucile.
Na época passada, aliás, Fucile não fez um jogo decente em apoio ofensivo. Começou a abusar de alguma dureza e foi expulso frente ao Schalke 04, no Dragão. Em Gelsenkirchen, quer a defender quer a apoiar Quaresma, Fucile esteve muito mal, mesmo num momento propício a demonstrar as suas qualidades de marcador, o seu sentido defensivo. Tecnicamente denotou muitas debilidades, quer a receber ou a passar a bola.
Era preciso uma opção para Fucile. A saída de Bosingwa obrigou a procurar alternativas e chegou Sapunaru, que tem propulsão ofensiva mas não se resguarda a defender e já cometeu erros graves que custaram golos: porque vem de um futebol romeno jogado à zona, permite
liberdade aos alas contrários para cruzamentos. Estas pechas corrigem-se com trabalho e o romeno tem 21 anos apenas.
Com Lino no plantel e Fucile com concorrente para a direita onde tem raízes, era preciso uma alternativa para a esquerda. Veio Benitez, com defeitos congénitos (lembram-se de Ibarra?) de um futebol com outro ritmo e menos flanqueado, pelo que encontrou dificuldades na Europa. Tecnicamente também não se sente à vontade com a bola, e com mais rapidez no jogo a coisa agrava-se. Mas cruza bem e tem sentido vertical de jogo, entra na área (quase marcou ao Fenerbahce).
Cumprido um início de época exigente, Benitez fica a perder no cômputo geral. Mas será Fucile o melhor para a esquerda, relegando Lino e, pior, Benitez que é um defesa de raiz naquele lado?
Creio que vamos ter sempre mais Lino do que Fucile a lateral. Se se confirmar, é a prova, depois da época passada, de como o “estágio” de um ano no Dragão faz evoluir os jogadores. Pena é que os fracassos da época passada, de Bolatti a Farias, não demonstrem melhoras.
Novas provas e a eliminar
Entretanto, a Taça de Portugal obriga já no sábado o FC Porto a mostrar as segundas escolhas no regresso à Sertã. Com o Dínamo de Kiev terça-feira no Dragão, Jesualdo poupará jogadores ou deve retomar o ritmo mínimo para os habituais titulares? O campo do Sertanense, lembre-se, tem condições precárias e pode favorecer a predisposição para retirar os melhores deste jogo. Será a ocasião de os menos utilizados, entre eles o recém-chegado Pelé bem como o ex-lesionado Tarik, mostrarem se o plantel melhorou em quantidade em profundidade. Isto é, se as reservas serão capazes de garantir, em jogos de menor dimensão mas em provas de taça que obrigam a resolver as coisas em 90 ou 120 minutos, que a equipa chegue longe nas provas
domésticas de segundo plano.
Só aí, creio eu, se poderá afiançar a qualidade do plantel, como já o sublinhei há dias. O jogo da Sertã é, por isso, importante porque pode ser revelador da questão do momento. É que não tarda e o FC Porto será também chamado à Taça da Liga, onde na época passada teve alguma infelicidade, sem nada diminuir o muito mérito do Fátima. E nesse jogo começou a perceber-se que muitos reforços não teriam trazido à equipa uma qualidade de segundas linhas necessária. Curiosamente, o panorama melhorou depois, com uma chegada ao Jamor sem sofrer golos pelo caminho e com Bolatti e Farias a marcar despertando algumas atenções, prova de que o trabalho só com tempo pode render frutos.
Esta nova época será olhada por antecipação de forma mais concreta, na sua globalidade, com o que o resto do plantel fizer nas provas de taça por cá. Guarín e Benitez terão mais minutos de competição em provas que exigem determinação e aura de vencedor.
Os melhores reforços e algumas euforias
No onze principal, Fernando ganhou um lugar por mérito próprio – e cujo antecessor no lugar, ainda que se compreenda a diplomacia e o facto de ser também brasileiro, o reconhece como legítimo herdeiro – na posição que muitos sentiram órfã de Paulo Assunção como se fosse possível num ou dois meses encontrar um substituto fixo e capaz de dar conta do recado.
Rodriguez só agora descobre atalhos para a área contrária, retirando-se do isolamento (a que votava também Lisandro) da linha. E Tomás Costa, muito voluntarioso, precisa de provar se faz os 90’ ao mesmo ritmo ou aproximado: a verdade é que perde fôlego a meio da 2ª parte e não cumpre um jogo completo em pleno. Hulk tem mostrado os defeitos de querer fazer depressa, muito rápido e bem, precipitado no remate em que precisa de aguardar o melhor momento – até porque se temporizar a jogada, tem sempre a capacidade muscular para em explosão evitar a carga do último defesa. É muito jovem e Jesualdo lança-o sempre de recurso mas como primeira opção atacante.
Em resumo, a equipa, renovada, vai-se encontrando e melhorando. Já tem o conforto psicológico do 1º lugar – e o que teve de lutar para lá chegar reforça esse espírito, identificando-se com a marca genética do clube. Começará agora uma diversidade de frentes competitivas que testarão os limites da sua competência e a extensão da sua qualidade.
É, portanto, cedo para euforias, as exigências não abrandaram. Noutros clubes, como no Sporting, até já se fizeram 1ªas páginas só por uma liderança à condição (3ª jornada), sem nunca ter estado verdadeiramente no 1º lugar (era do Nacional). No Benfica, ganhar dois jogos já é atingir a Lua e há quem festeje o regresso de Katsouranis ao miolo – esquecendo que em três épocas o grego fracassou fisicamente nas 2ªas voltas, é só aguardar…
Candeia que vai à frente é a do Porto. Mas com os pés sempre no chão. Até na Liga dos Campeões, onde uma virada do barco não impede que se chegue ao bom porto da 2ª fase. As competições europeias, em Dezembro, tirarão a devida factura, como tem sucedido desde que os três grandes competem em patamares de igualdade e só um tem mostrado a fibra de campeão.