FCP 2-0 BFC: Questões tácticas

Não é que tenha importância por aí além. Eu não a relevo, é bem mais significativa a vitória, inatacável, do FC Porto. Mas vamos precisar um pouco a questão dos sistemas utilizados.

Talvez quem vê pela TV não tenha a percepção que melhor se obtém no estádio, com a amplitude do campo e os jogadores distribuídos é vê-los de um só golpe de olho que a TV não permite.

Sai Tarik, entra Leandro. Sai o 4x3x3 formal, fica um 4x4x2? Não me pareceu. Quem eram os dois da frente? Só o Lisandro. Em rigor, creio eu, era um 4x3x2x1, com Leandro e Quaresma mais interiores a tentarem chegar ao Lisandro.

Porquê? E porque nasce alguma confusão, perceptível, que faz exaltar a massa assobiativa?

Com 1-0 aos 15', o Boavista atacou? Não, sempre 11 atrás da linha da bola, Edgar ponta-de-lança recuado, Mateus e Zé Kalanga nos extremos, abertos, para as saídas preferenciais. Boa ideia do Jaime Pacheco, mas sem bola não tem profundidade, os jogadores não vão longe.

O que faz Pacheco após o chove-não molha da 1ª parte do Boavista? Adianta a equipa, sobe Edgar, o 4x3x3 é mais nítido, tem de recuperar no marcador.

Jesualdo prevê e acautela-se. Daí o 4x3x2x1, em que Leandro anda perdido entre defender e atacar, não acerta uma posição, não acerta uma transição (defensiva/ofensiva), não acerta um passe. A equipa não sai do bloco atrás.

Pode ter sido por acaso, até só por simpatia, mas os SuperDragões entoam, pela 1ª vez que tenha ouvido, "Jesualdo, Jesualdo, olé".

Jesualdo faz muito bem. Cabe ao Boavista atacar. O Porto espera, pacientemente, sem grandes riscos, a saída para o ataque, as famosas transições rápidas em que o FC Porto é forte, letal e... deu o 2-0. Jesualdo rejubila, sente que a equipa conseguiu o objectivo que antes, por isto ou aquilo, não logrou. O problema de falta de cultura táctica de Leandro Lima. O tal trabalho que o treinador diz estar por fazer, com poucos treinos e muitos jogos.

A massa assobiativa, mais uma vez, não percebe. Acha que do 1-0 tem de se ir para 3-0 de uma só vez. Mesmo quando o adversário, a perder, não sai da toca.
Lembram-se do Marítimo?

1-0 aos 50', Marítimo sempre atrás e arrisca nos 10' finais. Assobios...

Pacheco põe um ponta-de-lança verdadeiro, Bangoura, manda Edgar para um flanco, tira Zé Kalanga.

Jesualdo reforça o meio-campo com Bolatti por Lucho e Adriano para a frente.

Objectivo? Resguardar atrás, procurar a transição que está a falhar. Porquê?

Leandro não dava conta do recado. São as coisas da imaturidade, juventude, inexperiência de um futebol mais racional, pensado, organizado, metódico.

Leandro recua, Lisandro cai para um flanco, há um 4x3x3 de novo, claro, mas com o triângulo invertido no meio-campo. P. Assunção e Bolatti na meia defensiva, Leandro no vértice. Quaresma e Lisandro podem explorar melhor as faixas e os corredores interiores, estes para deleite de Bosingwa e Cech nas laterais. Adriano espera na área.

O Boavista está balanceado, é o momento de sair o 2º golo. Sai mesmo, com naturalidade. Quaresma perfura, não sai o 1º cruzamento, Cech vai no apoio e de primeira cruza, a defesa boavisteira está desposicionada, é o lateral Rissutt quem falha a intercepção no meio da área e Lisandro mata o jogo de forma magistral.

Para um jogo cínico, segundo certos cânones, um golo MAGISTRAL.

Parece pouco, decerto não é espectacular.

Mas é assim que, numa sucessão vertiginosa de jogos, as grandes equipas da Europa gerem os seus calendários.

Às vezes com sacrifício desta ou daquela prova. Jesualdo sacrificou, ou arriscou demasiado, na Taça da Liga. Retirou, de repente, dois jogos inconvenientes em Outubro, após paragem da Liga para o duplo compromisso da Selecção e com outra jornada da Champions pelo meio, em Marselha. Pelo sorteio realizado, digamos que se evitou um duplo Sporting-Porto em 20 e 30 de Outubro. Vamos ver a quem faz bem ou mal esta gestão criteriosa do calendário imbecil que a Liga montou...

Esta foi a minha leitura do jogo, a perceber a ideia do treinador (à distância), as capacidades de os jogadores (Leandro Lima) as executarem. E irritei-me com a massa assobiativa. Também se calhar na rádio nenhum comentador do costume foi divulgando que o alegado cinismo de várias equipas hoje em dia advém de leituras e realidades que é preciso ter sempre presentes, desmistificando a obrigatoriedade de dar espectáculo que só era exigível domingo a domingo.

Quem o exige não deixa de ter razão. Mas deve, para ficar satisfeito, compreender que jogo se joga hoje em dia, em que circunstâncias e que gestão fazer dos jogadores, das competições e... dos resultados.

Com o 0-0 da Luz, o 1-0 do Dragão, o Porto teria de arriscar? Desgastar-se? Abrir-se para eventualmente sofrer um golo, como um... pastorinho de Fátima?

Não foi brilhante, concordo, mas não me mereceu reparos. A equipa foi sólida, cumpriu, ganhou de novo e há-de ganhar muitas vezes, como vaticinei mesmo a perder a Supertaça.

Agora estou ao contrário do Camacho: o que não gostei foi da massa assobiativa. Quer dar trunfos ao adversário? Arriscar para se deleitar na bancada? E se perder? Os adeptos do FC Porto podem estar, como eu, habituados a muitas vitórias e às mais retumbantes. Mas não significa terem de pedir mais do que é exigível. Nós pensamos no jogo seguinte, 5 horas de viagem, ambiente adverso, jogo crucial, Europa em questão.

O Boavista criou perigo relativo, mais em jogadas individuais do que pela força do colectivo. Não me incomodei para além do desacerto posicional e funcional dos primeiros 20' da 2ª parte, mas por nossa causa, não por mérito alheio.

Jesualdo acertou em cheio e está de parabéns. A equipa também: temos uma série de vitórias que só a intervalos se conseguiu nos anos do penta. Com Robson, com Oliveira, mas nunca assim de início.