05 maio 2013

O espaço me(r)diático VIII

É isto. Aqui.
Do que apurei e li, fica confirmado que a reportagem de Ana Leal complementava outra, de Carlos Enes, indo além do contexto: incluía informação nova e relevante sobre o escândalo tratado (SIRESP).
Apesar da legitimidade de Judite Sousa para a retirar do alinhamento do Jornal das 8, invocando razões editoriais, os espectadores ficaram a perder com a omissão da peça; e é também legítimo (profissional e legalmente) que Ana Leal solicitasse esclarecimentos ao director de Informação e ao Conselho de Redacção. A jornalista nunca falou em censura, antes mostrava a sua incompreensão e manifestava o seu empenho na produção de bom jornalismo na estação.
Os poderosos da TVI aproveitaram o momento. Sem ter cometido qualquer falha ética, deontológica ou de lealdade, Ana Leal foi objecto de um inquérito, de que resultou a a abertura de um processo disciplinar, a suspensão e proibição de trabalhar. Esta decisão da administração da TVI é não só injusta como totalmente desproporcionada.
A proprietária da TVI, espanhola, bem como Paes do Amaral, defendem uma informação "institucional", que nunca ponha em causa os principais poderes do país e a sua relação com eles. Embora com excessos formais, a informação no tempo de Moniz e Moura Guedes era livre e irreverente. Atacada pelo governo Sócrates, a TVI cedeu, afastou--os e substituiu-os por José Alberto Carvalho, que é, digamos assim, um respeitador do poder que estiver no momento, e por Judite Sousa, que já formara equipa com ele na TV do Estado.
Carvalho e Sousa encontraram uma redacção com rotinas de liberdade de escolha de temas e empenho no jornalismo de investigação, o qual está precisamente vocacionado para descobrir podres do sistema, como fez aquela reportagem. Essa liberdade de parte da redacção contrariava o tipo de autoridade que a direcção pretende sobre a redacção e os seus critérios editoriais – mais ao género de entrevistar poderosos do que na revelação de podres. No procedimento desproporcional, vexatório e autoritário contra Leal, coincidiram os interesses da dupla Carvalho-Sousa e da administração em domesticar e intimidar a redacção e em fazer um jornalismo ainda mais institucional, com mais fait-divers e reportagens que, digamos assim, não levantem "problemas", nem a eles, nem aos poderosos.
 
tinha traziudo aqui o problema.. Gravíssimo. Desonroso. Fascista. Isto é a Liberdade de Imprensa. E a Indiferença. Pois...

Na sequência de tudo isto:
Estes episódios inserem-se numa mudança o controlo da liberdade de informação e de opinião nos média tradicionais, nas últimas décadas, em Portugal e no paíeses estrangeiros: o abafamento das notícias, das reportagens e das crónicas, prejudiciais ao poder, e a promoção de peças hagiográficas desse poder faz-se internamente, nas redações, através de editores de confiança, e com a cumplicidade das administrações dos média carentes de dinheiro e de crédito que o poder lhes fornece, direta e indiretamente, em troca desse controlo. Numa época de queda das receitas publicitárias e das vendas dos média tradicionais e de desemprego e de redução de salários dos seus empregados, uma grande parte dos jornalistas conforma-se, ainda que contrariados, com essa tutela política dos controleiros do poder nas redações (os josés-albertos-carvalhos-judites-de-sousa-antónios-josés-teixeiras-paulos-ferreiras...), em troca da manutenção do trabalho e da remuneração.

Ah, por falar em Comunicação Social hoje (in)felizmente atafulhada de licenciados em Comunicação Social e doutorados avulsos, mas controlados pelos capatazes de Imprensa e rotinados nos jogos de phoder e um casa-descasa permanente em que as mulheres tanto se põem a jeito como por cima e os homens sujeitam-se mais a fellatios que a cunnilingus - um olhar para a valia dos académicos tugas:

A medíocre academia portuguesa e o concubinato com o poder político

por Samuel de Paiva Pires, em 02.05.13
Permitam-me dar-vos um exemplo prático de como a academia pátria foi tomada por medíocres e está povoada por idiotas que vivem em concubinato com o poder político. Pedro G. Rodrigues era conselheiro do Secretário de Estado do Orçamento do segundo governo de José Sócrates. Quando este caiu, João Bilhim, recrutado por Miguel Relvas para presidir a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, mas à altura presidente do ISCSP, próximo do Partido Socialista e responsável pela elaboração do fiasco que dá pelo nome de PRACE, começou a contratar amigalhaços que tinham acabado de perder o emprego, conforme já aqui eu havia escrito, entre os quais Pedro G. Rodrigues. E por que é que isto importa? Porque Pedro G. Rodrigues, que, vá-se lá saber porquê, teve a honra, que não me recordo de ter sido dada a qualquer outro docente - digno desta qualificação -, de ter um paper seu publicitado na primeira página do site do ISCSP, revela hoje no Jornal de Negócios uma das ideias mais bárbaras - e estou a ser simpático - que tive o desprazer de ler nos últimos anos (via João Miranda e Ricardo Arroja).
«Proponho que o Estado imponha temporariamente um regime de despesa privada obrigatória. Nesse regime os titulares de depósitos bancários dispõem, no máximo, de seis meses para gastar uma fracção do saldo na compra de bens e serviços em território nacional. Findo esse prazo, do montante ainda por gastar é transferida para o Tesouro a parte que corresponde à taxa média actual de IVA e de impostos específicos. Na prática, não há qualquer transferência porque não haverá nenhum montante por gastar ao fim de seis meses. Esta é uma solução equilibrada, dado que quanto maior é o saldo, maior é a responsabilidade e a capacidade de relançar a economia. Cada um é livre de comprar o que quiser, desde que seja em território nacional e até ao prazo limite, mas deve saber que a compra de um bem ou serviço importado não aumenta o PIB.»
 
Sim, este senhor é docente universitário. E sim, a academia portuguesa é muito isto.
Origem aqui, mas respigado d'O Insurgente.
 
Portugal é isto, doutorados em "xuxialismo". Já nem é o Sócas, nem o Relvas, mas o "Regime" que muitos conhecem, bafiento e sonso, para dele colherem, como medram. É tal e qual o antigamente, só que dantes, realmente, como alguém diz, os académicos eram mesmo bons.
Poderia multiplicar "isto" muitas vezes "isto". Não vale a pena. O cheiro é nauseabundo. Nem falo no futebol, que parece de novo abençoado pela Herdade Desportiva desta vez. Até no Voleibol. O Portugal medievo, dos tempos negros mais do que cabalas e campanhas negras, o Portugal subjugado, dobrado pelo trabalho pesado, antes dizia-se que pela Igreja, hoje por uma ideologia barata que a evolução do Mundo extinguiu ainda no século passado.


"Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo,
burro de carga,
besta de nora,
aguentando pauladas,
sacos de vergonhas,
feixes de misérias,

sem uma rebelião,
um mostrar de dentes,
a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;

um povo em catalepsia ambulante,
não se lembrando nem donde vem,
nem onde está,
nem para onde vai;

um povo,
enfim,
que eu adoro,
porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência
como que um lampejo misterioso da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]

Uma burguesia,
cívica e politicamente corrupta até à medula,
não discriminando já o bem do mal,
sem palavras,
sem vergonha,
sem carácter,

havendo homens que,
honrados na vida íntima,
descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira à falsificação,
da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam,
entre a indiferença geral,
escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis no Limoeiro [.]

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador;
e este,
finalmente,
tornado absoluto pela abdicação unânime do País. [.]

A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos [.] sem ideias,
sem planos,
sem convicções,
incapazes, [.]
vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido,
análogos nas palavras,
idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,
e não se malgando e fundindo,
apesar disso,
pela razão que alguém deu no Parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."


Guerra Junqueiro, in "Pátria", 1896

Talvez por isso seja oportuno recordar as palavras de Ramalho Ortigão em 1873, nas Farpas, enviadas por um leitor amável.

«A Imprensa de Lisboa não tem opinião. Aqueles que dos seus membros que por excepção pressentem as ideias próprias, vivas, originais zumbindo-lhes importunamente no cérebro, enxotam-nas como vespas venenosas. É que a missão do jornalismo português não é ter ideias suas, é transmitir a ideia dos outros. Por tal razão em Lisboa o homem que pensa não é o homem que escreve. O jornalista nunca se concentra, nunca se recolhe com o seu problema para o meditar, para o estudar, para o resolver. Nunca procura a verdade. Procura apenas a solução achada pelo público dele, pelo seu partido político, pelos consócios do seu clube, pelos seus amigos, pelos seus protectores (...). O jornal não é uma fonte de crítica, de análise, de investigação (...) O jornalista é o aguadeiro submisso e fiel da opinião. Não dirige, não a corrige, não a modifica, não a tempera(...). A Imprensa periódica é simplesmente o cano.

Para terminar: Peço desculpa, já não sei de onde tirei isto, há muito tempo, sempre actual. Peço desculpa, tudo isto ultrapassa-me. Eu não consigo.

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