22 dezembro 2006

Quem fala dos artistas?

Chegados à pausa invernal, graças ao respeito das Boas Festas e zombando da bênção metereológica que não nos obriga a parar o futebol, a Liga portuguesa tem pouco que contar, até chegarem magotes de reforços para dourar uns brasões famélicos de parangonas*.

O futebol jogado
O FC Porto tornou-se líder incontestado. Todos o reconhecem, elogiam a equipa e alguns dos melhores executantes individuais à vista por cá. Mas bastam cinco minutos para se falar nisso. Pouco mais se acrescenta para além de sublinhar-se-lhe o mérito. E nem merece mais “tempo de antena” do que os rivais precisamente por terem muitas insuficiências para colmatar. Nem de propósito, com Mareque quase a assinar, até no mercado de Inverno os portistas invertem a ordem usual das coisas…

O cenário classificativo, de resto, é repetido há muitos anos. Tal como se repetem as perspectivas de, na campanha europeia da Primavera, o líder enfraquecer, apesar de a redução da Liga dificultar menos a tarefa agora. Aí não faltarão encómios e gente a saltar para o cavalo do vencedor, como sucedeu em quatro ocasiões mal perdidas pelo FC Porto.

O futebol falado
Das colunas de comentadeiros de pacotilha, aos programas televisivos “de sempre” que enchem os serões de saturantes minutos como não bastassem as telenovelas, num arrazoado de palavras supérfluas e ideias sem inovação, pouco se fala do jogo.

O futebol acabou, por agora, mas logo o balanço feito no “Dia Seguinte”, da SIC, foi sobre um livro e as consequências que daí possam advir. Não para o desfecho do campeonato. Mas para toldar, alegadamente, de nuvens negras o futuro próximo do FC Porto, ainda o centro deslocado do Apito Dourado porque só transversalmente foi detectado na barafunda criada em Gondomar e a envolver os Dragões Sandinenses…

Só passada uma hora de conversa da treta, em que ao menos se percebeu haver o risco de nada sair deste novo fôlego encontrar pistas palpáveis e iminentes culpados, o moderador apelou: “Vamos falar de futebol”. E com os proverbiais cinco minutos dados ao líder categórico foi conveniente adiantar “que o tempo escasseia”. David Borges, que capitaneou esse infame “Donos da Bola” - cujos restos da placenta do útero imundo que o concebeu estão espalhados por vários tribunais onde os putativos investigadores teimam em não comparecer - bem tentara introduzir o tema do livro no programa anterior.

O futebol enganado.
Na semana passada, o “Dia Seguinte” dedicou cinco minutos a alegadas revelações e indícios criminais - atirados, como flatulências, em forma de livro - face a pouca receptividade dos convidados, agora reiterada. O resumo do Record, no dia seguinte, titulava que “o livro esteve em cima da mesa” como “facto incontornável”. Enganoso. Esta semana, após uma hora de coisa nenhuma sobre o livro, o Record falava do “Campeão de Inverno” como se tivesse sido o tópico... Ilusionismo.

Não se falou dos artistas. Nem de propósito, Scolari pediu para a Selecção “o Quaresma do Porto”, o melhor português da época passada a quem ele virou costas para o Mundial, como há dois anos virou costas, para o Europeu, ao melhor guarda-redes da Liga dos Campeões.

Mas há “artistas” que teimam em não sair da cena televisiva. Podiam, à falta de argumentos servidos no livro de apregoadas revelações e alegadas incriminações para se encontrar um só culpado de toda a malfeitoria no âmbito do Apito Dourado, juntar uma moça de cabeleira loira e falsa, de óculos escuros e com bilhete para a próxima viagem ao Brasil. Está tão fresca na memória, essa “Paula”.

O futebol embrulhado
Após um ano de dedicação ao programa deixei também de ver o Trio d’ataque, na RTP-N. Fastidioso como os outros, faccioso pelo lado encarnado, inexpressivo pela facção leonina, o espelho das respectivas equipas. Esta semana quis sentir o “momento” e, perdido o directo, aguardei a reposição de 4ª feira, já noite dentro. Pois à excepção de Rui Moreira pôr no seu topo o FC Porto, e recusar amplificar o tema da moda, foi quase uma hora a dar no mesmo sem conclusão alguma. Houve promessas de se falar de muitos temas do futebol jogado. Era 1.45 e leu-se uma missiva de um cibernauta da Guiné-Bissau a elogiar o Quaresma. Há adeptos em muita parte do mundo, até menos favorecido, que sabem dar o valor ao essencial. Adormeci descansado.

O futebol “dessacralizado”.
Passaram duas semanas de nada que se extraia do livro da moda, mas a autora assumida como mandante de uma agressão física a uma figura política, que configura crime público, ainda não é arguida de facto. Passeou de Almada a Alfragide a rubricar livros para enganar adultos mentecaptos e agora ciranda por tribunais, na mesma palidez fúnebre da personagem que dizem assustar os portistas.

No turbilhão informativo apropriado, houve má informação: Carolina teria falado de Valentim; teria sido ouvida informalmente em Gondomar; teria prestado depoimento para memória futura (a usar em tribunal, por exemplo, sem estar presente). Houve contra-informação: teria documentação comprometedora; vai publicar ou não um segundo livro a revelar tudo o que supostamente saberá. Houve intoxicação diária de notícias que nada acrescentavam ao caso.

E, afinal, o futebol tão do agrado de todos, em qualquer das versões citadas, foi remetido para um lugar secundário ao verificar-se, pelo “24 Horas”, que Cunhal superou Salazar na lista dos 10 maiores portugueses de sempre, onde nem figuram mulheres nem o futebol está representado. Nem Mourinho, mas esse nunca foi consensual. E nem Eusébio...

O que dirá sobre isto João Malheiro não sei, como já o vi naquele programa matinal da SIC que parece uma reunião de “tupperware”. Mas nessa dessacralização de uma instituição para o povo, que emparceirava com o tríptico das boas famílias a par do fado (Amália também de fora dos melhores) e de Fátima (nem a irmã Lúcia captou votos suficientes), fico com a lapidar frase de um amigo meu: Salazar deixou de herança pobres e benfiquistas.

Cunhal é só parte do embuste de que ainda muitos não se libertaram.


* Num só dia de Record, 4ª feira, lê-se que Mantorras, entretanto, passou a “inspector”, enquanto Rui Costa “já remata”, e “Vieira e Veiga discutiram clube ao jantar”, além de “Miccoli estar a 100 por cento”, qual delas a mais irrelevante ou difícil de concretizar.

8 comentários:

  1. Excelente comentário, parabéns. Coloca tudo como deve ser, com clareza e na mouche.
    Já não vejo aquele programa dos marretas à 2ª feira que me dá vómitos, e quanto aos jornais, se fosse sociólogo, faria uma tese de mestrado através da análise de conteúdo pelo menos das primeiras páginas de jornais desportivos ( já nem falo no número e qualidade das notícias ), e extrairia sem dúvida conclusões interessantes sobre o favorecimento e proteccionismo para os lados da 2ª circular especialmente mais lá para as bandas do Centro Colombo...
    Essa frase da herança do salazar é lapidar...
    Um abraço.

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  2. Caro Jorge:

    Curiosamente, estou a acabar o curso de Sociologia e, desde Maio de 2006, que tenho mantido um arquivo das capas dos jornais desportivos electrónicos, precisamente pelo que refere no seu comentário. É interessante ver a forma como,por vezes, procuram criar uma realidade alternativa. Talvez, o que mais me chocou terá sido quando o Braga ganhou ao Liberec...
    Contudo, começo a achar que não haverá grande análise a fazer senão a da cegueira clubística e do lucro que a promoção de algumas cores proporciona. São apenas 1ºas páginas. A fazer análise de conteúdo poderiamos comparar outros meios de comunicação como a televisão e a rádio.

    Saudações

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  3. Anónimo, essa do Braga com o Liberec escapou-me: em que jornal, o que dizia, que realidade mascarava? Gostava de saber.
    Sobre o Braga, deu-me vontade de rir de gozo a 1ª do Record quando o Braga de Jesualdo empatou no Dragão. Foi em Fevereiro passado, 1-1 falso como Judas encarnado por Bruno Paixão (viram aquele penálti ontem?), e a foto de João Tomás, a festejar o empate no último minuto de penalti e com o título a dizer que "ttrava o Dragão" que ameaçava distanciar-se mais ainda na tabela.

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  4. Caro anónimo, aí está um estudo que me agradava ver o resultado. Aliás penso que qq pessoa que acompanha o nosso futebol e a nossa imprensa, gostaria de o ver. Qd estiver pronto fico à espera que apareça ;-).

    Mas penso que as capas nem serão o pior, já que se podem desculpar com as melhores vendas que certas capas fazem (Já agora fica a pergunta, será que capas vermelhas fazem mesmo melhores vendas???). O pior para mim é mesmo a qualidade, facciosidade e títulos dos artigos. O mascarar da realidade e impressionante. E assim se vão fazendo opiniões. Nós portistas estamos já vacinados e mesmo capas boas para nós são muito de desconfiar, e, eu pelo menos, tento ler os artigos em questão.

    Quanto ao post,está excelente, mas, há sempre um mas, acho que não deves deixar de ver o trio d'ataque Zé Luís, já que acaba por ser mesmo um oásis no deserto no que respeita a futebol falado na tv. Se todos fossem como aquele não estávamos nada mal. O Jorge Gabriel era uma mais valia, apesar de algum radicalismo, mas não desgosto do cantor apesar de ser como dizes um pouco inexpressivo, e o APV ainda acaba por ser um benfiquista moderado... comprado com os outros, claro. No programa fala-se muito de futebol e o passado programa não pode servir de exemplo. Não há "bela sem senão". Ninguém me paga para defender o programa, mas é verdade que é o único de desporto que ainda vejo com gosto.

    Do resto da comunicação social já se sabe o que se pode esperar e acaba por não ser surpresa nenhuma tudo o que se vai vendo.

    Um abraço.

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  5. Esta história dos jornais desportivos chegou a um ponto em que os próprios jornais já não têm qualquer preocupação em disfarçar um bocadinho a facto de serem tão tendenciosos! Não há nada a fazer senão ignorar esses jornais e ir convencendo os amigos a deixarem de comprar...talvez um dia eles se apercebam que é melhor começar a mudar a estratégia (apesar de não me acreditar que isto seja possível).

    Bem, desejo a todos que participam aqui no blog do Zirtaev um Feliz Natal. Os desejos de Bom Ano ficam para depois pois ainda temos mais uma semaninha de 2006 para gozar!

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  6. A referência ao Braga é sintomática do "centralismo" que afecta muita gente. Não consigo postar imagens no comentário, mas enviá-las-ei ao Zirtaev. A questão é que dois dias depois de o FCP e o Benfica jogarem para a UCL (02-11 4ºfeira), o Braga obtém uma vitória por 4-0 numa competição internacional e as vitórias de há dois dias continuam a fazer capa. Melhor dizendo, o Benfica continua a fazer capa (com a história do factor K e a quebra do jejum do Nuno Gomes), incluindo "O Jogo", apesar deste ter uma capa "Norte" e uma "Sul", o que me parece boa política ou, pelo menos, mais honesta.

    É interessante comparar as capas dos três jornais entre si. Seria falta de assunto? O Braga tinha alcançado uma grande vitória no dia anterior. O Benfica ganhou algum título? Não, ganhou um jogo por 3-0 em casa. Ora, o FCP ganhou 1-3 fora de casa e não mereceu destaque de primeira página em qualquer dos jornais.

    Atenção, não sou adepto do Braga, mas este caso chamou-me a atenção por ser outro clube que não o FCP a ser ignorado (como na meia- final com o Deportivo em 2004). Claro que me refiro apenas às 1ºas páginas e não ao conteúdo dos artigos

    Enfim, cada vez mais a imprensa desportiva se parece com a imprensa cor-de-rosa.

    Saudações a todos

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  7. Já vi o teu ponto, slayer, e dou-te razão a 100 por cento. Mesmo os jornais com capas a norte (A Bola e O Jogo) não exploram a "facilidade".
    Aliás, a respeito de jogos europeus do Braga, já no Jogo on line fiquei sem aceder a qualquer informação por não ter link para o jogo em questão.
    Eu, que sei como os jornais se fazem "por dentro", continuo a achar coisas inexplicáveis. Nunca sabemos tudo, afinal, e há coisas que ainda nos deixam surpresos.

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  8. acho que com a saída do Jorge Gabriel o Tio d'Ataque perdeu imenso. O nosso Rui vai fazendo o que pode, o cineasta é assim assim e só se safe porque o Carlos Daniel é benfiquista e protege-o totalmente, mas o Godinho é uma "ganda nódoa". Mesmo assim, é o único programa que fala de futebol, onde temos um representante à altura, que nunca deixa de proteger o nosso clube, e sempre com imensa classe. Não se cola ao estereótipo que o Serrão ajudou a fabricar e de que eu não gosto nada. Só por ele, vejo sempre o programa.

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