04 março 2011

A metáfora do "acidente"

Portugal, para mim, caiu aqui há 10 anos. Afundou-se. E continua desaparecido, levado pela lama na torrente de interesses pessoais e mesquinha confluência de oportunismo com patrioteirismo.







Não foi nada comigo e doeu-me profundamente. Aliás, estava ausente, ou a voltar de férias, quando soube pela rádio do carro. Vinha do sol e sabia que tinha chovido por cá. Só as imagens me despertaram para a terrível ocorrência a que não posso esquivar-me hoje. O que então sucedeu foi só a imagem do Portugal que se afundou e não mais se levantou. Mesmo a corajosa, para os dias de hoje, demissão de Jorge Coelho, corporizando a culpa que nem um Tribunal logrou assacar ao Estado que ele politicamente representava, só acrescenta vinagre ao sofrimento, quando por muito pior ninguém se demite ou praticamente ninguém é demitido - quando muito é só afastado temporariamente. Ah, e um Tribunal, com um jovem juiz arrivista como qualquer político encartado, não foi capaz de encontrar culpados por a queda de uma ponte, identificada como de risco de colapso, enquanto hoje há notícias de levarem a julgamento alguém que não cuidou de podar uma palmeira que no Porto Santo caiu e vitimou uma pessoa...

Foi a confirmação, há 10 anos, de que Portugal perdeu a alma na enxurrada fluvial que levou uma ponte, um autocarro e dois automóveis, 59 pessoas e 36 delas que nunca apareceram. Era a confirmação do pântano, que também não sepultou ninguém responsável, apenas afugentou os cobardes que hoje se sentam em tronos dourados.

Pode ser reconfortante ouvir, agora, um responsável pela entidade pública que era responsável pelo estado a que tudo aquilo chegou, que as pontes são hoje vigiadas para que isto não mais se repita. Mas nada apaga ou compensa a morte num retrato que julgávamos ser digno do Bangladesh ou da Bolívia, com o devido respeito. Podem dizer que até nos EUA isto tem acontecido, mas também só revela o estado a que os Estados Unidos chegaram e que, como Portugal, não é famoso, ou moralizador.

Só três jornais, hoje, trouxeram o caso à 1ª página com foto. O JN faz um dossier excelente. Há umas evocações "en passant" e porque "noblesse oblige". Nas televisões, que então ocuparam dias inteiros nas margens de Entre-os-Rios, a TVI peca claramente por defeito. E dizer que o ainda director de Informação, Júlio Magalhães, saltou para a ribalta com os muitos directos que dias a fio protagonizou de frente para a tragédia...

Ironicamente, passam dois factos que também deitam sal, além do vinagre de muita indiferença e o ácido de nada ter sido feito daí para cá, nas feridas que nunca sararão. Uma é a beleza do local, onde o Tâmega chega ao Douro pelo norte, um dos locais mais esplêndidos de um País paisagístico com é ainda Portugal. Outro é a teimosia em falar do "pior acidente rodoviário", quando a História tem a negro a página do afundamento do País com a velha ponte de 1888 que extracção de areias e rios furiosos levaram na enxurrada, descalçando a protecção de um pilar anos antes identificado como em colapso minente. Mais o que não foi feito http://www.publico.pt/Sociedade/entreosrios-uma-decada-depois-as-promessas-permanecem-no-papel_1483308

Podia falar de futebol mas tenho pouca vontade, apesar do gozo de André Villas-Boas para com o graúdo e graduado ou a eterna pouca-vergonha do Vi-te ó Pereira. Aliás, o sentimento de ligação a este simulacro de País é nulo, pouca coisa ainda me identifica com Portugal, aquele que teimosa e infelizmente permaneceu intocável depois da metáfora do afundamento do País.Pior, aquele que por estes dias nos diz o que é e o que somos no fundo, de verdade.

Como isto:

http://economia.publico.ptNoticia/sp-corta-rating-de-empresas-publicas-portuguesas-para-lixo_1483334 em que empresas, por sinal em Lisboa, estão catalogadas como "lixo" na linguagem técnica e sem ser em Inglês...
ou isto:

http://www.publico.pt/Sociedade/questionarios-dos-censos-escondem-falsos-recibos-verdes-acusa-pcp_1483294

Numa altura em que a força centrífuga de Lisboa asfixia o País, para além do já célebre "efeito difusor" de açambarcarem o dinheiro da Europa para as regiões gastando-o na capital sob o argumento de servir às regiões a que era destinado mas nunca lá chega directamente, o debate e referendo sobre a Regionalização volta a ser metido na gaveta pelos mentirosos do costume, os que fomentaram o pântano e criaram ilhas para assuntos metrosexuais e mordomias para gestores de carreira e obedientes ao partido e ao dinheiro que os ilumina.

O curioso é que nunca em Lisboa, porventura, imperaram tantos homens do Porto, seja nos OCS ou nas cúpulas políticas, como este http://www.publico.pt/Política/assis-alertou-para-vitoria-do-nao-em-caso-de-referendo_1483127. Existissem regiões, há muito, e o centralismo não era mais o tiro no pé que deixa Portugal estático e prostrado aos poderes da capital que se julga magnânima com o "efeito difusor" como dando uma esmola ao País. E decerto tantos homens do Porto perceberiam melhor o que ainda é ziguezaguear pelas serras de entre Tâmega e Douro que, como há 10 anos, ainda levam uma hora de carro para fazer 40 quilómetros até ao Porto, além de nunca terem de tirar os pés da terra.

Portugal não está só em apuros, como diz Sampaio que engrossou o cortejo de figuras do regime já podre no pântano de então. Colapsou, apesar dos anúncios milionários de receitas e do forrobodó de gestores obedientes ao partido e obcecados pelo dinheiro que os ilumina e conduz mesmo tratando-se, em muitos casos, de coisa pública que lentamente nos vão sentindo como de outros e não nossa. Para nós ficam apenas as tragédias.

7 comentários:

  1. Amigo Zé Luis.
    na mouche.
    é pá a do metro ainda pensei que fosse o do Porto.
    não.
    refer(bexiga)
    cp(tgv)
    metropolitano de lisboa(é na capital)
    ???
    qualquer coisa Parque(Park.é mais chique)
    .....
    centralismo?
    não.
    Castelo de Paiva continua a mais de uma hora do Porto.

    (tanque iú pela anterior)

    Abraço

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  2. Excelente post Zé Luís, apesar de divergências, continuo a ler e a classificar os seus artigos, acima de tudo

    VIVA O FUTEBOL CLUBE DO PORTO

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  3. Caro Zé Luis, escrevi algumas linhas.
    Fui rebsucar forma de entrar na conta do Coogle (nunca mais usei isto).
    O que escreveu hoje obrigou-me.
    Entretanto, ao pretender publicar, perdi tudo o que estava escrito.
    Enfim, falta de hábito...
    Essencialmente: falou num facto trágico, em realidades que nos devem preocupar e reanimar para a luta.
    Distinguiu com a esperada isenção o que são os valores da sociedade do clubismo. Algo tão dificil para tantos.
    No entanto a sua sagacidade e argumentação muitas vezes cáustica, são na maioria assertivas.
    Um abraço
    Até breve

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  4. portodocrime, Metro de Lisboa, of course. É tudo lá, tudo. Contudo... andam a boicotar a Empresa Metro do Porto: o Governo, "este" Governo, não meteu gente sua na administação?

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  5. paulop, diga lá quais divergencias, porque nunca as notei. E preferia que comentassem mais do que pontuassem as estrelas. Se discordam, pois argumente-se; se concordam, há sempre algo mais a acrescentar.

    Este post, sem futebol, já tem mais comentários do que o anterior, de um balanço e radiografia do FC Porto que nos entusiasma a todos.

    Isto é que não percebo.

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  6. É incompatível com um Estado de Direito o que aconteceu com a tragédia de ENTRE-OS-RIOS, nunca mais lá passei, para mim o encanto daquele recanto acabou de vez...Não é possível que famílias inteiras tenham sido engolidas pelo turbilhão das águas e ninguém tenha sido responsabilizado.
    Aquelas areias que renderam milhões a uns, a outros deram tragédia e desaparecimento, literalmente.Colocaram por ali um anjo dourado?!...
    -Passei pouco antes por Raiva, terra que dá o nome ao sentimento que me assola sempre que vejo e revejo aquelas imagens de um sorvedouro monstruoso engolindo dezenas de pessoas que inocentemente regressavam de assistir ao espectáculo das amendoeiras floridas...E lá de cima em São Domingos vi o Oceano que vive perto de mim, um Oceano de tristeza e desencanto por tudo isto e muito mais...

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  7. Nunca falta gente para os enterros.
    Sobre o país, já pouco me apetece dizer, a sem-vergonhice ultrapassa tudo e enquanto não morrerem as gerações que acham que é tudo muito sério e o respeitinho é que é bonito isto vai ser mais do mesmo.

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