25 agosto 2010

Relatório (Bo)Ronha (V): apanhar as contradições na praça pública e manter o processo ad hoc no ADoP

"When you want to make a point, hit the point", ditado inglês de origem incerta que indica ser preferível ir directo ao assunto para vincar um ponto de vista muito objectivo


A saga, a farsa, vai continuar, razão pela qual Carlos Queiroz decidiu recorrer para o CJ da multa de mil euros e da suspensão de um mês aplicadas pela CD da FPF. O recurso foi entregue ontem. Para o final da semana, o tremendismo noticioso com carácter oficial dirigido pelas escrivaninhas do regime da pulhice socialista, está já reservada nova tarefa para a CD, agora com Amândio de Carvalho sentindo-se ofendido e a Direcção, por unanimidade, aceitando que as palavras do seleccionador ao Expresso (14/8/2010) sejam julgadas como um delito de opinião, mesmo que sem insultos nem sequer inverdades, o que é característico nesta mordacracia em que não é suposto falar, como não era no tempo de antigamente, contra o "patrão", dizem.


Mas não só. Ontem mesmo, enquanto entrava o recurso no CJ a contestar as sentenças da CD, a ADoP disse que a sentença disciplinar da federação teria de ser vista à sua lupa e avaliada de forma a que, em abstracto, pode aplicar-se uma sentença agravada de dois a quatro anos de suspensão.http://dn.sapo.pt/desporto/antidoping/interior.aspx?content_id=1647594


Tudo isto seria ridículo e patético se não fosse trágico e sério, indigno de um Estado de Direito a não ser aquele, como este é, onde o tal direito é o das trazeiras à esquerda, como dizia o outro e no fundo de um corredor muito escuro...http://dn.sapo.pt/desporto/antidoping/interior.aspx?content_id=1646138


Queiroz viu ratificada a cena dos insultos na CD e já paga por isso, até nem recebe ordenado mesmo que cumpra a sua função de observador em vista de elaborar uma convocatória ainda que assinada, no próximo domingo, por Agostinho Oliveira. Hoje mesmo, apesar de a FPF não lhe pagar deslocações, comida e hotel, estará em Espanha por uns dias para ver jogadores portugueses do Atl. Madrid, Valência e Málaga.


Qual a razão para a ADoP "avocar" o processo em que quer ser juiz em causa própria, segundo a notícia de ontem?


Ao que constou das notícias, esta semana, a ADoP quer apanhar uma aparente contradição das declarações do médico da selecção, Henrique Jones, entre o que este disse não ter presenciado na visita da brigada antidoping ao estágio na Covilhã em relação aos insultos atribuídos a CQ e dirigidos ao dr. Luís Horta presidente da ADoP; e o que disse, à saída da FPF onde prestou depoimento no âmbito do processo disciplinar na CD, em que revelou, aos jornalistas, que CQ revelou má postura de linguagem.


Então o que é dito aos jornalistas conta para o julgamento mediático, o que é contado no café ajuda a esclarecer as coisas em detrimento do que é contado no inquérito em âmbito formal e por órgão competente, o dr. Luís Horta, e por arrastamento o dr. Laurentino Dias que tutela a ADoP, deviam perguntar-se da razão de os médicos da brigada antidoping na Covilhã terem respondido de forma diferente nos dois inquéritos realizados: um no seio da própria ADoP, em que disseram ter havido perturbação da sua acção; mas no inquérito da CD da FPF não disseram que houve estorvo no seu trabalho. Aliás, A Bola deu uma informação nesse sentido no dia 14.


Pior: no inquérito inicial no seio da ADoP não houve relevância alguma ditada pelos médicos no seu trabalho, mas semanas depois lá veio um dos médicos dizer que se sentiu "perturbado" na recolha de uma ánálise por aquilo que ouviu CQ dizer. Queiroz explicou na entrevista ao Expresso:


Estas contradições, inadmissíveis em gente formada academicamente ainda que de duvidosa capacidade ética e moral, deviam ter sido consideradas pelo secretário de Estado do Desporto, na forma em que CQ disse ter sido induzido em erro e julgado de forma precipitada por informação deturpada que chegou a Laurentino Dias.


Mas não só: é incrível que, tomada a decisão da CD contra Carlos Queiroz, a Direcção de oito membros mais o presidente da FPF Madaíl não tenha valorado o essencial. É que não ficou provada a "perturbação" do trabalho da brigada da ADoP. E se esse era o ponto fulcral que admitia despedimento com justa causa por impor uma suspensão mínima de dois anos, a FPF devia ter assumido, integralmente, a defesa de CQ que pagaria apenas pelos comprovados insultos de que o seleccionador se penitenciou publicamente e em sede de inquérito. Mas toda a mise en scène engendrada na Covilhã pela brigada antidoping e que enfureceu justamente o seleccionador mas para um ligeiro àparte vernacular de uma frase só, originou uma bola de neve que já começara mal por nem o seleccionador, nem os responsáveis federativos no estágio, terem sabido da visita, ao contrário dos próprios médicos da selecção que sabiam disso pelos colegas da ADoP.


Temos agora que a ADoP não concorda com a CD da FPF e quer aplicar, possivelmente, uma pena de dois anos de suspensão sem ter sido provado claramente que o seleccionador interferiu com o trabalho da brigada antidoping. A ADoP que vai julgar em causa própria e segundo um regulamento que lhe dá plenos poderes e pode "torturar" à vontade as testemunhas, algumas no seu seio, e mesmo "narcotizá-las", por forma a obter a confissão que incrimine o seleccionador.


Pior ainda: a sentença de dois anos por eventual perturbação da recolha de análises é igual à de um atleta que se dope efectivamente, o que não faz corar de vergonha os responsáveis políticos por esta mixórdia legislativa. Sendo que, por sinal, acabou há pouco a volta a Portugal e o vencedor do ano passado, desqualificado por doping, levou precisamente a pena de dois anos que foi agora ratificada na sua suspensão.


A estas coisas os que querem deitar abaixo CQ dizem nada, assobiam para o lado e a página de Desporto online do DN, patrocinada pela ADoP e IND tutelados pela sec. Estado do Desporto, lá debita as notícias em primeira mão com o necessário enfoque telúrico numa suspensão de anos que inviabilizaria a continuidade do seleccionador.


Tome-se o exemplo do inefável António Boronha, a meio da semana, sobre o assunto:

"o médico da 'selecção', henrique jones, depois de ter declarado no inquérito inicial conduzido pelo 'idp' de que nada teria ouvido da boca de carlos queiroz, veio, posteriormente, em processo conduzido pela 'comissão de disciplina' da 'federação' sobre o mesmo assunto, reconhecer que o seleccionador 'revelara uma má postura verbal'...
nada de estranho.
antes de ser médico jones foi guarda-redes de futebol.
por isso conhecedor da máxima de que 'o que não ouvi ontem poderei ter ouvido amanhã'.
(actualizado, 11.20 am)
hoje, no 'diário de notícias':
"A Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) ficou desagradada com a postura do médico da Federação Portuguesa de Futebol Henrique Jones no decorrer deste processo que envolve Carlos Queiroz. Tudo porque o médico da FPF revelou depoimentos contraditórios sobre o episódio ocorrido no estágio da Covilhã aquando da visita da brigada antidoping. Quando ouvido no âmbito do inquérito aberto pelo Instituto do Desporto de Portugal, Jones garantiu não ter ouvido quaisquer insultos de Queiroz, escudando-se no facto de ter ido chamar os jogadores requisitados para o controlo. No entanto, à saída da audição no Conselho de Disciplina da FPF, onde esteve como testemunha do técnico, Jones admitiu que Carlos Queiroz "teve um comportamento menos correcto e algumas palavras ofensivas", mas que tal não tinha perturbado o controlo antidoping nem justificaria despedimento do técnico.

Note-se que o patético Boronha conta que Jones falou no inquérito, como se ele soubesse disso, enquanto a notícia refere declarações à saída da FPF, aliás passadas na televisão tal como eu ouvi.


Nem em nome do combate ao doping no Estado Novo se atreveriam a agir desta maneira, mas o Portugal moderno, do rigor e da igualdade é assim mesmo. Perigoso. Porque mal frequentado e pior dirigido.

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