O que tem a ver Lucílio Baptista com o "die Mauer"? E a separação física de duas realidades com a linha de fora-de-jogo não observada a Mariano? Reviravoltas pela história.Um muro é uma realidade física que pode adornar, se bem formatado a jeito, uma propriedade ou separar dois mundos. Pode ser da moda, como terá sido há 10 anos e como poderá ser daqui a 5 anos pelas Bodas de Prata da data; pode ser mania, é alvo de recordação ainda hoje na capital alemã. Pode ser chocante, pode ser fruto apenas de ideologia. Quando não uma raíz mental no subconsciente. Não é que me alicie falar disto, porque há 10 anos devem ter sido ditas as mesmas coisas pelas mesmas pessoas que conheceram aquilo. A diferença é que o show-off é com outros, a Clinton, a Merkl, até o Sócrates lá estavam. Talvez em 2014 sejam outros, mas as histórias locais sempre iguais.
Para mim, a queda do muro de Berlim diz algo; também algo distante porque não lá estava, mas por ter sido a alguma distância que pressenti, como todo o mundo, que iam acontecer coisas. Depois da abertura flagrante em Budapeste nesse Verão, com gente a passar de lá para cá no que foi a brecha simbólica no "muro" que dividia a Europa dita "rica" daquela onde localizavam o "paraíso", encontrava-me em Praga nesse Outubro de 1989 e conheci a agitação junto às embaixadas de países ocidentais, pessoas aos magotes que procuravam ou saltar os portões ou esperar, ameaçados, por um visto no seu passaporte, na rua, à mercê da polícia local que nestas coisas nunca era discreta.
Hoje ainda mais difundido mundialmente, com pedaços levados pelos coleccionadores a todos os cantos do planeta, o muro ainda marca diferenças: colorido pelos grafitis no lado ocidental, cinzento (depois de inicialmente pintado a branco) no lado oriental; separava o mundo abastado da terra conformada com a penúria; era tão alto e impenetrável que a sociedade de consumo, a democracia, as drogas, os punks e os homossexuais - hoje massificados globalmente - não via nem era vista desde a zona da "normalização" social, da aparente igualdade de classes, das lojas desguarnecidas de bens alimentares abundantes no outro lado, do Estado policial, de partido e pensamento únicos.
Passados 10 anos sobre a última "cerimónia", não me ocorria evocar isto, apesar do gosto por temas históricos, sociais e ao de leve políticos, não fosse a triste realidade portuguesa que diariamente nos esmaga. E ajudou o futebol que, ontem à noite, fechou a jornada. Aos 20 anos da queda do verdadeiro e odioso muro de Berlim aludiu-se, também, o muro defensivo da Naval que o Benfica acabou por derrubar na data histórica.
Fiquei curioso, à falta de ver o directo, mas os resumos, todos os resumos de todos os canais, foram como se fossem um só resumo num só canal. O que não admira. Se a proliferação de televisões e jornais fosse sinónimo de democracia, liberdade de expressão e de informação, ninguém se poderia queixar no Irão ou na China. Portugal, de forma desapercebida, é que caiu do 15º para o 31º lugar à beira de ícones da liberdade de imprensa como o Mali, escassos meses depois de sair mais um diário para as bancas e decorrerem negociações para haver um 5º canal de televisão ainda que envolto em polémica e excessiva mas estranha "legalização" no país do Simplex e empresas na hora dignos do grande líder e do partido albanês.
Aos "amanhãs que cantam" prodigalizados por cá a uma avalancha de futebol do Benfica, ainda assim, consegui ver com a Naval, nesses resumos apenas de jogadas a finalizar, mais de metade dos lances ocorridos só de bolas paradas. Cantos e livres, que desta vez os mergulhos foram todos fora da área como se não confiassem no Lucílio artista de apitar por dedução. Mas a informação pode ser sacada do nada, se subsistirem dúvidas, e um amarelo a Godeméche, por Saviola ter ido de encontro ao francês, fez-me soar o alarme.
Já pela noite dentro - naquelas horas mortas onde se fazem por vezes revoluções e para as quais o documento oficial de Gunter Schabowski estava previsto (às 4h) ser publicado para abrir formalmente a passagem do Leste para o Oeste já a 10 de Novembro de 1989 mas que ele, descuidadamente a simbolizar a fragilidade de todo o regime que assolava a Europa Oriental, antecipou para o fim de tarde, de voz própria, numa conferência de Imprensa, imagine-se, a responder a jornalistas - a RTP deu um resumo alargado do Benfica-Naval.
Foi o único momento em que pude ver se a falta da qual saiu o livre para o Benfica marcar existiu. Não existiu. Di Maria, abençoado para as quedas, quis passar entre dois opositores, andou no habitual tem-te-não caias e o amigo SLB, o afamado Senhor Lucílio Baptista, marcou falta.
Nada de novo, de resto: o João "Pode vir o João" Ferreira também inventou uma frente à Naval, na Figueira, na época passada, um livre em que o mesmo di Maria pediu mão de um adversário quando este recebeu a bola no peito, falta da qual Katsouranis, de cabeça, ditaria a vitória (2-1) lá para Março ou Abril passado.
O muro da Naval caiu, para pesadelo daqueles que aplaudem os "autocarros" da Académica e do Belenenses no Dragão. Mas um outro muro se levantou. O muro que paira nas cabeças de muitos tugas mal formados que acham dever obediência cega e respeitinho congénito ao líder, ao regime, à bandeira do país. Aquilo que subconscientemente árbitros como Lucílio Baptista fazem, apitando em favor do mais forte. Viu di Maria no chão e marcou falta. Por acaso deu golo, o que é um acaso na história, tanto que não faz levantar dúvidas e tão irrelevante que nenhuma tv voltou a mostrar, nos seus resumos fastidiosos, a origem do livre.
O SLB ajudou o SLB, mas a Imprensa do regime, mesmo diversificada em títulos na profusão da Imprensa que existe em Teerão ou Pequim, não tem dúvidas. O regime é assim e muita gente vive enclausurada, mentalmente, neste círculo vicioso.
Esta profusão de gente de uma Imprensa diversificada e alegadamente livre enquanto se remete às forças do mercado para levar a vidinha, é capaz de fechar os olhos a outras coisas. Ou ter um vislumbre de marosca caso a coisa tenha outras cores.
De cretino em cretino, de Baptista em Baptista, um parco resumo respigado do Marítimo-Porto, posto descuidadamente no ar com a mesma falta de "sentido de Estado" de Schabowski na tarde de 9/11/1989 em Berlim-Leste, demonstra que Mariano está em jogo e podia tabelar com Farias ambos isolados ante Peçanha.
O auxiliar Luís Salgado, aquele a quem faltou dar o cachaço por não ter alegadamente visto um eventual golo de Petit que jamais alguma imagem comprovou, marcou fora-de-jogo. Por sinal, era uma situação para ter dúvidas, pois Mariano, ali à sua frente, retirava-lhe a visão de espaço necessária para apreender toda a linha fictícia do fora-de-jogo e, assim, não via que João Guilherme, no meio do campo, punha Mariano em posição legal.
Desta vez, nenhuma luminária como as mais raras existentes no Rascord, pediu a linha amarela do fora-de-jogo que a tv não mostrou. A SportTV, no directo, mal repetiu o lance. Sei que há um problema de liberdade de acção na Madeira, extensivo ao continente e que é propalado como se existisse um muro que protege A.J. Jardim, cuja dialética ideológica não chega para convencer o "Terreiro do Paço" de que há pior na "Metrópole". Os jogos são filmados mal e porcamente. Mas, vendo a repetição, Mariano estava em jogo e, apesar de tudo o que justamente se disse do mau jogo do FC Porto, podia dar empate naquele lance até pela superioridade numérica com Farias face a Peçanha.
O terceiro golo portista à Académica, precisamente por Farias e na linha do fora-de-jogo, mais imaginária ou real consoante as cabecinhas ocas do regime, foi alvo de reparo em editorial de Farinha do mesmo saco de vesgos, aquele que não viu, em nome do pensamento único e do partido ou clube único, os dois golos academistas precedidos de mão na bola.
Há, obviamente, uma lógica única nisto. O Baptista que dá amarelo a um jogador da Naval por Saviola ter ido de encontro a ele parecia o Baptista que marcava faltas a Bruno Alves por saltar mais alto e os adversários madeirenses virem contra ele. É o pensamento único. O clube único, na antiga RDA, era o Dínamo de Berlim, campeão 10 anos consecutivos... Coisas bizarras hoje em dia e que soam tão mal como o muro dedicado a quem o ergueu, Walter Ulbricht então líder da Alemanha que sonhava viver ao sol mesmo à sombra do urso soviético.
Da próxima, pegando na História, abordarei as consequências de permanecer de pé esse muro irreal que esmaga consciências e, à boa maneira da "política de blocos" de há 20 anos, apaga retratos e tomba no "revisionismo histórico".