Leiria e outros gozam dos pontos que o FC Porto acumulou e acham-se no direito de fazer reparos deslocados, injustificados e até imorais. Talvez ajudem agora a abrir mais vagas para eles mesmos em nome do superior interesse nacional
Caiu como uma crítica fácil a alusão à “falta de patriotismo” do FC Porto por não aceder a adiar o jogo com a U. Leiria, já este domingo. Os leirienses, curiosamente, deveriam ser os últimos a apontar o que quer que seja, em termos de contribuição colectiva para o ranking de Portugal na UEFA, mediante o qual as equipas portuguesas competem em maior número e em estádios de competição mais avançados.
Antes de olhar para dentro, o treinador Paulo Duarte deveria pensar que, em provas europeias, a U. Leiria tem de agradecer por andar ali. Não é estreante, como apontaram na televisão, mas comporta-se como um clube diletante na Europa – enquanto a SAD de Bartolomeu equilibra as contas e obtém balanços positivos para se manter, com dignidade e rigor, na I Liga apesar de uma cidade de costas voltadas para o clube.
Deslocado e imbecil
A U. Leiria vai ter 72 horas de descanso entre dois jogos. Jogou em Israel e tem de defrontar o FC Porto. É o que defendem os regulamentos. Os portistas, alvitrou Paulo Duarte, podiam aceitar adiar o jogo para 2ª feira, talvez até para outra altura do ano. Só os amadores pensam assim ou, na verdade, pimenta no cu dos outros é refresco.
Se o FC Porto tivesse “dificultado” o agendamento de um jogo antes de um compromisso europeu do adversário, a crítica teria cabimento. Ora, não se passa assim. Não só está defendido o período de descanso regulamentado (72 horas), como se atrapalhação causa à U. Leiria é porque… anda na Europa como excurcionista.
A U. Leiria, como muitas outras equipas, inclusive as chamadas “grandes”, já beneficiou do desgaste europeu do FC Porto. Logo, não tem lições a dar a ninguém, até porque fez raríssimos jogos “uefeiros”. A falha de “carácter” apontada ao FC Porto não tem sentido. Está deslocada. E é tristemente imoral para não dizer imbecil.
Lembre-se que Paulo Duarte é genro de João Bartolomeu, o presidente da SAD. É, agora, o treinador de uma equipa que ainda na época passada para alguns era o FC Porto B… O agora técnico, que tem montada uma equipa interessante pelo que já se viu, está a esquecer-se de algo mais para além dos favores devidos ao FC Porto. Paulo Duarte regozija-se, e muito bem, por a U. Leiria já ter passado duas eliminatórias, coisa inédita, mas deve saber que a Europa acarreta custos financeiros e desportivos, desgaste nos cofres e nas equipas em termos físicos e psicológicos.
Paulo Duarte esquece outra face da moeda: o contributo televisivo. Podia preocupar-se pela razão de, em virtude de o Leiria-Porto ser televisionado (domingo, 20.30h, SportTV2), o jogo inicialmente marcado para as 21.30 horas, por decisão da Comissão Executiva da Liga que tem esse poder, ter sido antecipado por uma hora.
O pior, ainda, é que se o FC Porto aceitasse a sugestão leiriense, de marcar o jogo lá para a frente no calendário e até ao fim do ano, a U. Leiria ia andar a coçar os tomates e o FC Porto metido na Liga dos Campeões até ao tutano.
Mais: depois deste jogo da I Liga, a U. Leiria não vai fazer nada além de um amigável com o Benavente ou Salvaterra de Magos. Ao invés, muitos portistas estarão nas diversas selecções, a maioria até com Portugal frente à Polónia e à Sérvia, antes de reatar a caminhada da I Liga na recepção ao Marítimo e depois ao Liverpool.
Os diletantes
Neste quadro, seria difícil aos portistas sobrecarregarem os seus jogadores que vão às selecções. Outra nota é a de que a Liga, agora, não quer jogos internos a atrapalharem as selecções e a equipa de Scolari concentra-se salvo erro na 3ª feira para o duplo compromisso em que os leirienses não serão chamados a participar. Paulo Duarte poderá até ir à praia de Vieira de Leiria veranear um bocado e arejar as ideias…
O que fica, por fim, por lembrar é que, na Europa, só as equipas pequeninas andam de voos de carreira normal. Por causa dos diferentes compromissos, na Europa as equipas andam de “charter”, que implica custos para se abreviarem as deslocações e ganhar-se tempo de recuperação.
A U. Leiria teve semanas para preparar um “charter”. Sem poder preenche-lo, optou por ir em tráfego aéreo comercial. Até ao ridículo de hoje os jogadores partirem de Israel aos “pacotes” e com transbordos pelo caminho.
Nada disto, porém, é anormal na U. Leiria. Não só noutras ocasiões os leirienses voaram entre a gente comum, como até se deram ao luxo de perder uma eliminatória da Intertoto, em 2002, com os estónios do Levadia Maardu por inscrição ilegal de um jogador, creio que Douala, na 1ª mão. Da vitória de 1-0 em campo, confirmada por 2-1 em Tallinn, o 0-3 sofrido na secretaria expôs o carácter amador da gestão de uma equipa de futebol em termos competitivos, por muito bem que andem equilibradas as finanças. Lembro ainda que, dessa vez, a viagem em carreira comercial obrigou a ficar mais um dia na Estónia, voltando so 48 horas apos o jogo…
Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal.
De resto, a U. Leiria, agora frente ao Bayer Leverkusen, decerto fará os pontos necessários para que uma equipa portuguesa volte a jogar a Taça Intertoto apenas na 3ª eliminatória, com acesso próximo para a fase de qualificação da Taça UEFA. Não só os leirienses. O 6º lugar do P. Ferreira também exige dos pacences pontos para o ranking lusitano, frente ao AZ Alkmaar.
Estes bónus resultaram do contributo liquido do FC Porto nos anos de vencedor da Taça UEFA e Champions, entretanto já perdidos. Para o ano não há mais, nem o 3’ classificado vai a Champions e o vice campeão fará a pré eliminatória. Talvez a Intertoto se abra mais cedo a um clube português.
Isto, claro, se Leiria e C. derem algo de valioso para o ranking patriótico. Embora não acredite…