Mourinho acusa, clara e profundamente, o fracasso que passou em Espanha. Um dia glosa que fez 100 pontos e marcou 120 golos para ganhar um campeonato. Nos restantes dias, talvez para enfatizar um recorde que na última época, um ano depois dele, o Barça igualou com facilidade (100 pontos), fala mal de tudo em Espanha. Pudera, nem por ser do Real Madrid estava a salvo do profissionalismo e integridade clubística em ética, da Imprensa mesmo afecta ao clube, pois corrigiam-lhe os remoques e não perdoavam tergiversações.
Com as devidas proporções, parece o
velho despeitado que busca vingança e dispara para todo o lado com um ou dois ódios estimados e nem assim muito antigos.
Ou o Real Madrid, por supuesto, não tem a representatividade em Espanha que se diz ter ou algo deste calimerismo de Mourinho, afinal habitual no seu narcísico perfil em que se vê triste a olhar para o espelho de água e espera lágrimas de todos à sua volta a encherem a maré, o torna sempre e sempre mais ridículo.
Estava morto por voltar a Inglaterra mas nunca deixa de olhar para trás. Pelo fracasso que nem uma Liga de recorde, depois igualado, atenua. Uma mente distorcida, um desfasamento com a realidade, um alheamento do mundo à volta e um afunilamento da personalidade. Mourinho é um triste, vê-se no banco em que nunca demonstra alegria nem cria empatia. Distante e frio, até glacial, a ver o jogo, Mourinho vá achar um dia que está a mais no futebol.
E é pena, porque ele de facto revolucionou o jogo na forma de treinar e de o jogar. Aliás, sintomático é:
- no FC Porto fala-se de falta de alegria no jogo, de jogo sem alma, de jogadores fora de sítio, de "quebra física" (que estupidez!), de falta de ligação, em suma do que eu já descrevi por estes dias de FALTA DE ORGANIZAÇÃO DE JOGO no sentido mais amplo e que, isso sim, denota falta de trabalho do treinador Paulo Fonseca no sentido de não passar a sua ideia de jogo como razão de o FC Porto jogar tão pouco e/ou mal. Atempadamente apelidei a transfiguração do jogo do Porto de jogar (sem nexo) à Real Madrid.
- na selecção a bitola anda pelo mesmo nível, falou-se ultimamente dos mesmos problemas, de falta disto e daquilo, de falta de ligação, de jogadores "alheados", de futebol fraco, é tudo verdade e resumidamente espelha-se, embora não tenha origem, no que se fala, e eu falo, do FC Porto actual.
E se o FC Porto joga mal, a Selecção joga mal. Há uma década que a Selecção joga na base do bloco do FC Porto. Azar de PB e talvez dessincronização com o FC Porto de PF: PB aposta no 4x3x3 quando jogava em 4x4x2 no Sporting e o FC Porto abandonou o 4x3x3 para o 4x2x3x1 de PF: será uma explicação para a Selecção não se impor? Mas, então, o treinador faz o quê? Paulo Bento está há dois anos a impor um estilo e agora perdeu o toque, mantendo quase os mesmos jogadores?
Ora, faria bem a muitos experts lerem, se nunca o viram, um livro notável que descreve o sistema Mourinho, o método de treino, a abordagem da "periodicidade táctica". Quatro alunos, aliás brilhantes, de Futebol no FCDEF montaram o livro
"Mourinho, porquê tantas vitórias".
Repito, ao ouvir e ler tanta barbaridade sobre o jogar e a qualidade de jogo ou os "defeitos" apontados para pobres exibições, lembro-me sempre desse livro que voltei a relê-lo.
Nele, além de marcar a sua notável diferença para os métodos de trabalho dos outros treinadores em Portugal, logo quando chegou ao FC Porto, Mourinho diz claramente que nem treinadores nem jornalistas, em geral, perceberão puto do que é o seu trabalho e do conteúdo do livro que ele permitiu fazer ao conceder entrevistas e olhares aos seus métodos.
Mais: Mourinho enfatizou que para os que pedem tempo para as suas equipas deve ser por andarem a perder tempo com tudo menos a ORGANIZAÇÃO DE JOGO que preside a todos os exercícios e baliza o seu método da "periodização táctica", onde se distingue o que é a "táctica" do que é "trabalho táctico".
Ao anunciar, em Janeiro de 2002, que naquele ano não daria mas na "época seguinte vamos ser campeões", Mourinho levantou um coro de críticas entre vernáculo bem português que agora usa em relação ao que diz os espanhóis lhe chamarem. Sim, de filho da puta a vai levar no cu, corrupto e cosi via, Mourinho era isto para os portugueses. Infelizmente já se esqueceu. E até avinagrou, tornou-se ácido e antipático a quase toda a gente. Parece que, em contraciclo, os que o odiavam antes em Portugal são agora os alegres marialvas basbaques que o adulam e aceitam tudo o que diz e faz. Os tristes que não percebem os males que afectam o futebol portista se calhar também nunca souberam deste livro e não entendem, claro, porque o FC Porto joga pouco e mal. Como outros, são sabichões sem lerem, fiando-se como os técnicos do passado no empirismo com dose q.b. de experiência feito mas letra morta no futebol de hoje.
Só os mais distraídos, para não dizer ignorantes, são capazes de achar que, ao fim de vários meses de trabalho e praticamente com os mesmos, ou os mais influentes, jogadores no seu seio a "culpa" não é do treinador quando as coisas correm mal. Ora, é isso precisamente que Mourinho defendia e suponho que defende ainda, embora no futebol é tudo muito volúvel, mais do que mercados financeiros... Achar que Paulo Fonseca não tem culpa ou Paulo Bento não tem culpa é dizer, sub-repticiamente, que a culpa é das respectivas senhoras da limpeza. O curioso, no caso portista, é que nunca muitos adeptos conseguiram perceber que havia boicote e má formação dos jogadores há dois anos, atribuindo a culpa a Vítor Pereira (Coimbra foi há dois anos, note-se bem) como se fosse dele a responsabilidade da gestão de mercado depois da era vitoriosa de AVB. Quando se via em campo que os jogadores não corriam e boicotavam o trabalho colectivo, a culpa era do treinador. Hoje, que se vê os jogadores esforçados, a correrem, a suarem mas a jogarem como se não se conhecessem, acumulando erros de principiante, aparentemente temos equipa esfrangalhada e futebol aos repelões mas a culpa não é de Paulo Fonseca, de resto com a diatribe do sistema táctico a implantar à revelia das especificidades dos jogadores. Idem para Paulo Bento, que não perdeu nenhum jogador essencial (o Porto ainda perdeu Moutinho e, vá lá, James que eu não apreciava muito) e, para muitos e para ele, tem o melhor do Mundo - embora seja a quem dá toda a liberdade para fazer o que quer e causa perturbação no movimento coordenado colectivo que também desfigura o futebol praticado. Ora, Paulo Bento não só não evoluiu como técnico, a não ser alcandorarem-no a um patamar que não justifica, como a cada diz que passa o futebol piora e não há um jogo de jeito, em toda a qualificação, para valorizar. Um nojo em todo o sentido, mas quando se tem boa Imprensa e muitos louvaminheiros encartados mas ignorantes, dá no que dá. Parabéns e boa sorte.
Como disse há muito, o mito Mourinho morreu. Apenas só esperneia em má-educação e ressabiamento, também uma certa forma de ser português em que ele se revê e em que muitos se revêm nele.
Sic transit gloria mundi. Ou, como disseram os romanos do Papa Urbano VIII, dos Barberini (sec. XVII), que sacou o bronze das placas que revestiam o Panteão para Bernini erguer as colunas em espiral do baldaquino de S. Pedro, numa alusão à pilhagem: Quod non fecerunt barbari, fecerunt Barberini (o que não fizeram os bárbaros, fizeram os Barberini).