Já tinha dedicado o tema à melhor equipa de sempre na história do futebol, o Barcelona actual ou que Guardiola tem gerido magistralmente há três épocas. É tempo de apontar a melhor equipa de sempre do FC Porto, que porventura reunirá mais consenso do que no debate, nem sempre conclusivo, sobre o Barça.
Com a morte recente de Tomislav Ivic - único a ganhar campeonatos (8) em seis países diferentes, mas também outros troféus noutros países, além de dirigir selecções nacionais -, associada à saída, mais ou menos previsível, de André Villas-Boas, os treinadores dos quatro títulos numa época coincidem no tempo em que nos fazem falar deles e do seu legado. Coincidentemente, de uma época apenas cada um.
Estive a ver agora, de relance, o que se escreveu por aí nos últimos dias da minha preguiça em que me afastei de tudo e, confesso, a desilusão é enorme. Mal aproveitaram o "Gomes é finito" para sentenciar o fim de vida do croata talvez mais famoso que acabou de morrer, como ele disse do "bibota" a quem deixou no banco na final da Taça de Portugal de 1988. Ivic finou-se, AVB partiu e cada um deixou quatro títulos numa época para delírio da Nação Portista.
1987-88 - Ivic pegou na equipa, excepto Futre de saída para o Atl. Madrid, que Artur Jorge levou a campeã europeia. Uma vitória estrondosa, até por reincidir com o Bayern batido de Viena, para conquistar o Joan Gamper em Barcelona, com 2-0. Não houve Supertaça de Portugal, disputada entre Benfica e Sporting, mas deu para ganhar o que dava direito como campeão europeu: Supertaça europeia, a duas mãos e com duplo 1-0 ao Ajax (à esquerda, Gomes com van't Schip e o árbitro Schmidhüber na 2ª mão nas Antas) vencedor da Taça das Taças e ainda com van Basten e Rijkaard e Bergkamp a crescer para ser grande, e Taça Intercontinental (em cima) na pior das condições climatérias, e jamais repetidas, na final de Tóquio contra o campeão sul-americano Peñarol, na neve que nem a véspera do jogo deixava antever, apesar do frio normal de Dezembro na capital nipónica que hospedava a competição por via do agregado patrocinador Toyota (um troféu particular). Quanto ao campeonato, reconquistado naturalmente no ano dos "quinzinhos", os 15 pontos de vantagem sobre o Benfica (66-51), em 38 jornadas/20 equipas. Um campeonato, em traços gerais, apenas com uma derrota (2-1 em Alvalade, sempre com arbitragem polémica), um 7-0 no Rio Ave a começar 1988 e que ali vi a 3 de Janeiro num domingo soalheiro, depois do 7-1 ao Belenenses na 1ª jornada em que Madjer (que marcou dois) repetiu o calcanhar de Viena nas Antas; tudo para acabar com 3-0 (dois de Jaime Pacheco e um de Rui Barros) no remate da prova e dias antes de despachar o mesmo Benfica com golo solitário, quase no final, de Rui Barros, para aceder ao Jamor onde um golo, igualmente tardio, de Jaime Magalhães selou a 2ª dobradinha do clube depois de 1956. Ah, e apesar de algumas goleadas, os 88 golos marcados não chegaram a dar média de 2,5 golos por jogo, mas o FC Porto ganhou todos os 19 jogos nas Antas, algo só conseguido em 1939-40 (9 jogos) e apenas repetido depois por Mourinho em 2004 (17 jogos). Inesperadamente, foi também finito para Ivic o seu reinado no FC Porto, sucedendo-lhe Quinito com a antítese quanto a Gomes ("É Gomes e mais 10") e um fracasso absoluto que não passou sequer do Outono, Murça de surpresa dirigiu a equipa frente ao Leixões até Artur Jorge voltar a pegar no leme para ser campeão no ano seguinte. Voltaria Ivic, anunciado em dia de S. João de 1993, a treinar nas Antas para ser demitido ao final da 1ª volta depois de 2-0 em Aveiro ao Beira-Mar mas já com atraso para o Benfica que o sucessor Bobby Robson mal conseguiu colmatar. Mas Ivic foi, acima de tudo, a imagem de marca da internacionalização do FC Porto, devotado a treinadores nacionais com Pinto da Costa, com o interregno do austríaco Stessl sem Pinto da Costa na sequência do "Verão quente" das Antas, pois a marca Ivic era de renome mundial e à perda do treinador campeão europeu de 1987 para o Matra Racing - seduzido pelo dinheiro para um clube sem estrutura e que fracassou, um simulacro do Chelsea de Abramovich que atraiu Mourinho e AVB - importava ter um nome sonante. Ivic triunfou mas, ao contrário de Artur Jorge, não ganhou no regresso às Antas. Uma época, ainda com os costumeiros 21 golos de Gomes embora atrás de Cascavel que fez 24, marcada pela ascensão fulgurante de Rui Barros (em baixo, à direita) que de emprestado no Varzim passou num ano para a Juventus numa transferência recorde não oficial de um milhão de contos, cinco milhões de euros actuais mas que porventura valeriam hoje 50 ME.
2010-2011 - Mais frutuosa do que aquela época de Ivic, em termos de títulos, só a que acabámos de celebrar com Supertaça de Portugal, Campeonato da Liga e Taça de Portugal e Liga Europa sob o comando de AVB. Não houve Supertaça europeia, já reservada para o Mónaco com o excepcional Barcelona, nem sequer haverá direito a Mundial de Clubes só reservado a campeões europeus de novo no Japão (após interregno nos EAU). Mas foi uma época de triunfos inolvidáveis sobre o Benfica, a começar na Supertaça em Aveiro (2-0), depois os extraordinários 5-0 no Dragão e, talvez melhor ainda, celebrar o título com 2-1 na Luz onde, ainda melhor, foi possível a seguir virar o 0-2 da 1ª mão da semifinal da Taça para ganhar 3-1 e seguir para o Jamor. Na final, arrebatador 6-2 ao V. Guimarães com cinco golos antes do intervalo e três tentos do jovem James Rodriguez. Um futebol por vezes de sonho, inspirado no Barcelona, com Hulk a arrasar e Falcao a maravilhar com finalizações excepcionais, fosse de calcanhar ao Benfica ou em voo ao Spartak de Moscovo e ao Villarreal, sete vitórias seguidas fora na Europa, recorde de goleada nos 1/4 final com os russos (10-3), quase o recorde de golos numa época (44 contra 45) do Barcelona e a reconquista de um troféu ganho como Taça UEFA em 2003 com Mourinho da última vez que o FC Porto o disputou. Mas, talvez acima de tudo, um campeonato sem derrotas, uma sequência já de 39 jogos sem perder no campeonato desde a época passada, ainda que não conseguisse terminar 100% vitorioso no Dragão por mor de um árbitro vesgo no 3-3 final com o P. Ferreira.
Comparando, os títulos não são os mesmos, à parte a dobradinha que já é um "prato" recorrente no FC Porto actual, mas talvez seja distinta a avaliação que se faça dos dois percursos de técnicos que duraram apenas um ano no FC Porto. Ivic ou AVB?
O confrade "Reflexão Portista" fez uma votação, sem contextualização, para eleger a melhor equipa de sempre do FC Porto. Ganhou, obviamente, com maioria absoluta (52% de 671 votos), a actual equipa. Por ser mais recente? Por estar fresca na memória? Por ser alvo da atenção das redes sociais numa sociedade altamente mediatizada? Por influir a frequência de gente nova na internet que desequilibra votações e não conheceu façanhas de outras épocas? Creio que um pouco de tudo permite concluir que a actual equipa do FC Porto foi a melhor de sempre. Ainda que não faça uma era, foi o ano mais excepcional de todos. Mesmo que Ivic tenha ganho dois troféus internacionais e a Supertaça ao Ajax seja a única que não mais foi repetida. Foi pena ter sido eliminado, ainda em 1987, com duplo 1-2 com o Real Madrid na Taça dos Campeões. Em Valência, por interdição do Bernabéu, um golo inicial de Madjer deu vantagem portista estupidamente mal conservada nos minutos finais, primeiro num deslize de Mly que saiu da baliza para disputar uma bola na linha lateral e de cuja sequência Sanchiz empatou para Sanchez marcar quase no fim. Nas Antas, num jogo às 10 da noite por interesse televisivo espanhol, Sousa também marcou primeiro, mas a esperança esfumou-se com as arrancadas de Julio Llorente para Michel bisar para a equipa que foi pentacampeã espanhola, a famosa equipa da "Quinta del Biutre" que foi a melhor do Real Madrid que pude ver até ao momento.
Mas, e outras grandes épocas do FC Porto? Os anos de Mourinho, em 2003 com Liga e Taça, mais a Taça UEFA, em modelo de jogo diferente do do ano seguinte que rendeu Supertaça e campeonato de Portugal só com vitórias em casa, final mal perdida com o Benfica no Jamor por influência do costumeiro vigarista SLB, mas a reconquista da Liga dos Campeões. Do 4-4-3 de 2003 ao 4-4-2 de 2004, formas diferentes de chegar ao êxito e uma supremacia esmagadora interna aliada ao crescimento notável a nível internacional terminado com a caterva de vendas milionárias a começar pelo treinador com cláusula de 5ME ao Chelsea.
Porém, como bem resumia o quadro da votação do "RP", houve épocas notáveis do FC Porto que, por mais antigas, ficaram pouco na memória sem jogos televisionados ou são poucos os que, nas redes sociais de agora, os viveram então presencialmente. Como venho do tempo dos anos sem nada e vivi intensamente o fim do jejum e a longa travessia do deserto, sou capaz de dizer alguma coisa.
1977-78 - Com a conquista da Taça de Portugal de 1977, com o Braga nas Antas, golo de Gomes, o FC Porto de Pedroto cresceu para patamares competitivos que eu nunca vi em cinco anos de vivência nas bancadas frias do velho estádio onde conheci a antiga bancada de madeira onde depois houve a gigantesca arquibancada, no lado da chamada "maratona", mais o placard que a encimava com os resultados do totobola. O tricampeão Benfica, que escapou por milagre a uma goleada no ano anterior para ganhar com um golo soberbo de Chalana nas muitas vitórias de 1-0 da equipa de Mortimore, acabou 77-78 o campeonato sem perder. Com os mesmos pontos do FC Porto. Quase a ganhar o campeonato com um autogolo de Simões (3') a atrasar de joelho a bola para Fonseca e com Humberto, à minha frente na baliza sul e apenas com Fonseca entre ele e o 2-0 intransponível, a acertar na barra com a bola desviada, por milagre, numa bota do g.r. que foi formado no Leixões e fora campeão pelos encarnados. Ah, mas foi a mais espectacular equipa de ataque que vi no FC Porto, este "team" fantástico com Gomes, Oliveira e Seninho na frente, Duda, Ademir e Octávio no meio-campo e uma defesa quase inalterada de Fonseca, Gabriel, Simões, Freitas e Taí/Murça. Foram 81 golos em 30 jornadas, quase 3 por jogo, 55 golos nos 15 jogos nas Antas, enquanto o Benfica imbatido marcou 56 golos em todo o campeonato. Era um festival de futebol em casa. Este poucos o viram, apesar de haver sempre 50 mil pessoas fosse com o Portimonense ou o Rio Ave ou as 80 mil frente ao Sporting ou o Benfica (1-1, o empate na ressaca de Ademir em livre ante Fidalgo já batido na final da Taça pelo Braga na época anterior) como nessa tarde de Junho, sufocante, com jogo às 17h e eu no estádio já aberto a partir das 13h. Depois, o simbolismo de quebrar o enguiço e virar uma página decisiva no FC Porto, com Pedroto e Pinto da Costa, teve o significado que pouca gente hoje reconhece. Mais a final da Taça com o Sporting, a do árbitro Mário Dias que depois embarcou com os leões para a China, numa digressão, com o traje oficial leonino, acabadinho de influenciar uma finalíssima (2-1) que já tinha sido determinada por outra arbitragem de antigamente no 1-1 do primeiro jogo que motivou a repetição. No ano seguinte, novo título, apesar de cinco empates seguidos na 1ª volta nâo o sugerirem, já não houve final de Taça porque sucedeu a costumeira derrota no Estoril (3-0 na primeira abordagem da prova), naquele campo da Amoreira onde o campeão de 77-78 sofrera, logo à 2ª jornada (2-0) uma inesperada derrota mas que seria a única.
Mas, na Europa, o FC Porto fez falar de si pela primeira vez ainda em 77-78: eliminação do FC Colónia, que seria bicampeão alemão, com 2-2 na Alemanha e 1-0 em Coimbra por interdição das Antas, golo de Murça tão improvável como os de Gabriel e Octávio no Mungersdorfer que albergara jogos do Mundial-74 e onde era hábito sofrer os golos de "canto à Colónia", bola no primeiro poste e desvio para a baliza ou para trás e alguém entrar para marcar, era tudo tão conhecido e aos 5' já o FC Porto sofria assim apesar de avisado. Depois o 4-0 ao M. United com três golos de Duda, que não atenuou o sufoco incrível do 5-2 de Old Trafford. Por fim, em Março, a quebra com o poderoso Anderlech dominador da Taça das Taças (duas vitórias e uma derrota em três finais consecutivas), 1-0 por Gomes nas Antas 24 horas depois de um jogo terminado ao intervalo pela chuva inclemente, e 0-3 em Bruxelas sem apelo nem agravo.
Confesso, pelo futebol de então, os valores como Gomes, Oliveira, Duda, Octávio, Seninho (safou-nos com o bis em Manchester), o significado do título, a participação na Taça das Taças, a agonia do jogo com o Benfica, as duas finais de sacrifício e prejuízo de arbitragem com o Sporting, esta era para mim a época mais saborosa que perdurará na minha memória apesar de ter perdido a revista "Golo" que dedicou uma edição exclusivamente à época memorável do FC Porto. Felizmente, vieram as épocas das grandes conquistas internacionais e são os troféus que valorizam os clubes mais do que as exibições que se perdem entre milhares de jogos observados, à época, ao vivo e sem resumos televisivos.
1984-85 - Quando Artur Jorge pegou na equipa, ele delfim idealizado e ela órfã de Pedroto que já não estivera na final de Basileia, a catástrofe de uma eliminação quase inacreditável com os galeses do Wrexham (0-1 e 4-3, golo galês a dois minutos do fim a ditar a sentença por golos fora) não fazia prever uma época de afirmação com um futebol espectacular e com Futre, resgatado ao Sporting (que ia emprestá-lo à Académica) que levara Sousa e Pacheco das Antas, em grande destaque a prometer épocas de show no Porto até Viena, três anos depois. Campeonato ganho com brilhantismo, oito pontos finais de avanço sobre o Sporting, uma derrota só no Bessa, 2-0 e 1-0 ao Benfica a começar a 1ª e a 2ª voltas, Futre a acertar num poste no 0-0 de Alvalade que podia ter dado o título a cinco jornadas do fim caso a bola entrasse. Pelo jogo envolvente e massacrante para os opositores, uma época em cheio. Mas mal terminada, com 1-3 com o Benfica no Jamor que fez perder muito do glamour ganho no campeonato. Novo título na época seguinte, ganho com dois pontos por fim quando a duas jornadas do fim a situação era inversa mas o Benfica perdeu com o Sporting na Luz enquanto Futre fez o FC Porto ganhou no Bonfim e a derradeira jornada a fazer o Benfica perder no Bessa enquanto à mesma hora, apesar do 1-2 ao intervalo com o despromovido Covilhã que na Serra ganhará 2-0 a acabar a 1ª volta, Gomes virava o resultado a sentenciava (4-2) o bi. Na Europa, eliminação do Ajax com jogo defensivo (2-0 e 0-0) a desesperar van Basten e Rijkaard como sentiriam sempre com o FC Porto nos anos seguintes, até Ivic. Esse bicampeonato, em 1986, lançou a conquista da época seguinte na Europa e a entronização definitiva de Artur Jorge que, com três títulos nacionais (1985 e 86 e 1990), só foi alcançado por Jesualdo Ferreira (2007-2009).
Estas são as épocas do FC Porto em apreço para avaliar a melhor de sempre, que já estará definida pela natureza das conquistas da época ora finda, mas podem suscitar, especialmente aos mais antigos, memórias e comentários a propósito. Porque sinto que muitas memórias se vão perdendo no tempo. A começar pelas épocas inolvidáveis de Pedroto, até à de Ivic que durou pouco mas ganhou muito, tal como AVB.
Uma hora de balanço, sem ressentimentos, antes de começar no final da semana nova época, outro treinador, renovadas ambições, o desafio da Champions e tudo para se jogar novamente, com a voragem do tempo e a pressa mediática de seguir em frente. Não conto, por isso, e por falta de tempo e motivo - não há novidades em lado algum, nem notícias verdadeiramente - fazer outra investida por aqui. Seguirei os comentários de forma mais próxima e fica à vossa consideração o balanço.