Relatório (Bo)Ronha (XXV): dos resultados, honra e ética mais as consequências sem culpados?

Dizia sobre o assunto não antever o despedimento de Carlos Queiroz na reunião da Direcção da FPF pelos motivos depois aduzidos pelo seu advogado. Mas consumou-se o linchamento para populaça e governança babar-se de gozo. Alguém mais timidamente avisou que neste processo não haveria vencedores, apenas vencidos. O problema maior, que vai mais longe do que o futebol e abarca a realidade triste do País, é o hábito entranhado, mas já não se estranha, de tomarem decisões sem medir as consequências. E, por fim, não há culpados.

Depois de meses a "abandalhar" as coisas com formulações sem nexo, na opinião pública e na que se publica, chegamos ao ponto de um despedimento sumário quando decorreu apenas um inquérito na CD da FPF que ditou um mês de suspensão recorrido para o CJ; um inquérito interno da ADoP para ajuizar em causa própria recorrida a sentença de seis meses para o TAS; e outro inquérito, dito do polvo, a decorrer e em plena inquirição de testemunhas, que prossegue na 2ª feira, acha-se o despedimento no dia de ontem.

Mais bizarro do que isto só mesmo as formulações sem nexo durante meses a fio:

- que Portugal não obteve resultados, quando os 19 jogos iniciais de Queiroz tiveram melhores resultados do que os 19 jogos iniciais de Scolari, de resto aqui referenciados logo no final da fase de qualificação;

- que Portugal teve uma qualificação sofrida para o Mundial-2010, e só acedendo ao play-off com a Bósnia, graças à derrota da Suécia com a Dinamarca, esquecendo-se que para o Euro-2008, em 14 jornadas, Portugal alcançou o lugar de qualificação (2º no grupo, mas dispensado de play-off) com três jogos por disputar e graças à derrota da Sérvia na Arménia;

- que Portugal empatou em casa com a Albânia (0-0), com Queiroz,, como se não tivesse empatado em casa com a Finlândia e em risco até ao último segundo de ser eliminado no Dragão no derradeiro jogo para o Euro-2008 com Scolari;

- que Portugal ficou em 11º lugar, pela classificação final oficial da FIFA que antevi (entre 10º e 12º lugar) logo após o Mundial, entre 32 concorrentes, como se fosse muito melhor ficar em 8º lugar (o pior dos eliminados após a fase de grupos) entre 16 equipas no Euro-2008 com Scolari;

- que Portugal não joga bem e bonito, como se vitórias antes com Arménia (1-0 em Leiria, sob assobios e um penálti escandaloso negado aos visitantes) ou 2-1 com o Liechtenstein (em Aveiro) a fechar a qualificação para 2006 (e depois do 2-2 em Vaduz) fossem só por si mais significativas da qualidade de jogo com Scolari. Mas a tónica da qualidade, nunca posta em causa antes, passou a ser a nota dominante, já que tornou-se impossível sustentar comparações favoráveis a Scolari pela base dos resultados.

- Já se tinha percebido, de resto, que a Selecção foi descendo gradualmente, de 2º em 2004 a 4º em 2006 e 8º em 2008, pelo que o 11º lugar em 2010 é consequência natural do "desgaste" geracional e a incapacidade de criar uma equipa equiparada à valia da anterior que muitos entenderam apenas como a Geração Dourada mas que teve o suplemento vitamínico e essencial da Geração Mourinho do FC Porto.

Posto isto, envenenado o debate junto de parolos que só estão informados pelo mediatismo da televisão com os Tempo Extra, Dia Seguinte, Prós&Pós e derivados, passou-se a outra cena mais estapafúrdia, alimentada de resto por directores de jornais: Queiroz quer levar a indemnização.

O ex-seleccionador explicou ao Expresso que não tinha cláusula de rescisão. Com justa causa sairia sem receber nada; sem justa causa receberá o equivalente aos salários a auferir até à vigência (2012) do contrato. Adianta repetir isto? Não, mas os burros marram na mesma e consumado o despedimento, amplificado pelo inefável Borgonha, o parolo do Nuno Luz aparece na SIC a questionar o advogado Rui Patrício se Queiroz vai receber 5 ou 6 milhões de euros. Jornais repetem a coisa e comentadores fazem contas ao dinheiro que a FPF vai gastar em indemnização e o que não terá para contratar um novo treinador.

Não é de loucos, é de parvos em delírio absoluto e esquizofrenia do mais elevado grau.

A FPF, sem poder alegar justa causa neste despedimento sumário, não existindo nenhum processo disciplinar com sentença transitada em julgado, acaba de arranjar maneira de vir a compensar, nos tribunais, Carlos Queiroz. À incompetência de que eram acusados por "avaliarem mal o desempenho no Mundial - de resto reiterado por Madaíl no mais recente comunicado de despedimento, depois do de 14 de Julho elaborado para o efeito - junta-se a inconsciência dos federativos de um processo, mais um, desta natureza.

Pior: segundo percebi do Jogo de hoje, e ao ouvir à noite a SIC, porque temos de receber informação de vários quadrantes para entender a coisa e não li jornal algum todo o dia, a FPF acusa Queiroz de deixar mal a Federação, desonrar o seu bom nome e coisas absurdas do género. É só como a ADoP ajuizar em causa própria. A FPF, pressionada de fora mesmo que por gente lá dentro, os Judas à mesa de Madaíl só, doente e incapaz como sempre, dá um tiro no pé. As consequências? Provavelmente pagar a Queiroz o que ele não queria, porque publicamente já dissera que se a questão fosse dinheiro já estaria resolvida nos bastidores. E não está, de tal forma que o seleccionador, em nome da honra, da palavra e da ética, recusou liminarmente qualquer hipótese de acordo. Repetiu-o o seu advogado a sair da FPF aonda tinha ido por causa das testemunhas em mais um inquérito e saiu de lá a saber de um despedimento anunciado há muitas semanas.

Diríamos que no futebol português já se viu de tudo, até quem tenha visto um porco a andar de bicicleta. E já, de facto, mas há sempre variantes do mesmo malabarismo estonteante que, sem nos surpreender verdadeiramente, deixa-nos de boca aberta como se fosse novidade.

Agora que aconteceu mais um acidente nos arredores do aeroporto de S. Francisco, uma explosão gigantesca que à hora ninguém sabia do que era, a estupefacção das pessoas é geral com a comum sentença: "Parecia o fim do mundo".

A verdade é que o "fim do mundo" nunca ninguém viu. Quando muito uma família escapou ao drama de Sodoma e outra em Gomorra, onde quem quis ver o que ficava, na fuga, para trás ficou transformada em estátua de sal. Mas incêndios, explosões e coisas do género acontecem com frequência e todos deviam admitir que isto já é "normal". É, mas muitas vezes não parece.

O que me faz voltar, nesta reflexão, ao que vinha dizendo: despedir alguém por ofender o bom nome da instituição. Falta provar isso com Queiroz. E um último argumento para dar força à sentença. Já não bastava os moralistas que diziam ser devida a destituição do treinador por mau jogo no Mundial, mas os expedientes extra já eram força a nota quando não houvera coragem para decisão no pós-Mundial e por motivos desportivos apenas. Mas esses moralistas de pacotilha, os Borgonhas cá da paróquia, se achavam mal ser pela ADoP ajuizar em causa própria, já se marimbam para a moral da questão: saiu e venha outro. O circo continua. Mas é mais uma acha para, em vez de lhe pedirem uma indemnização por danos, suscitarem dele uma por difamação.

Alguns escrevem, sabidolas, que não é por despedir-se Queiroz que a Selecção lá vai. E o que vier atrás...

Para acabar.

Já tínhamos tido o Manuel José despedido do Benfica por "incompetência", se se lembram, com Manuel Damásio.

Entretanto, há uns anos e muitos anos depois disso, tivemos um presidente que quis justificar o despdimento de um treinador por pôr em causa o bom nome do clube.

Não se lembram? A Imprensa não ajuda? Os contadores de histórias não dão todos os dados de uma equação problemática? Ok, eu recordo.

Quando António Salvador chefou ao Braga despediu Fernando Castro Santos. Alegou que numa entrevista o treinador denegriu o nome do Braga. Jesualdo entrou para o seu lugar e o técnico galego meteu uma acção em tribunal. Obviamente ganhou-a e custou cerca de meio milhão de euros, salvo erro, ao Braga.

Pois é, não se medem as consequências, falta saber quem sobra para arcar com os custos.

Os cronistas não são, os bloggers também não, muito menos o Borgonha, o Manha, o Cristóvão ou o Rita. Os patetas alegres que se entretêm a despedir pessoas e a arrasar currículos não vão ter apenas com que se entreter com o novo seleccionador, o que me fará prolongar esta série de episódios dedicados ao mestre da intriga. Também vão assobiar para o lado: nem ganham jogos nem perdem títulos nem pagam indemnizações, por muitos que proclamem dever ser pagas quando os promitentes usufrutuários nem as solicitam.

Portanto, a parvoíce vai continuar. Já é assim com os políticos. É assim em Portugal.

Por isso, o Relatório (Bo)Ronha não acaba aqui e tem muito que contar.

Quando muito o novo seleccionador vai suscitar um intervalo nas questiúnculas por esclarecer. Mas vai ser interessante ir por aí também. E só falta menos de um mês para nova dose dupla de Selecção, esperemos que com Cristiano Ronaldo longe da azáfama de vender relógios e capaz de trocar bitaites por golos.