30 novembro 2011

Há 31 anos foi como em Coimbra

Não sei se alguma inquietação de vários adeptos portistas amainou com a intervenção de Pinto da Costa no pós-desastre de Coimbra. Se se convencem, ainda, das insuficiências de Vítor Pereira, que obviamente não é um treinador completo no auge da sua experiência e estará a fazer um tirocínio de fogo para subir na carreira que todos têm obrigação de saber não ter ainda o grau de mestre nem que vença quatro troféus numa época. Ou, como se tem percebido de algumas notícias que não custa acreditar serem verdadeiras do sentir do interior da "estrutura" e o nuclear presidente do FC Porto, se já aceitam que a vergonha na Académica foi da exclusiva responsabilidade dos jogadores: "Não desaprenderam de jogar". Para bom entendedor...
A mim não me custam de per si as derrotas, felizmente muito poucas, nem quando se perde com um adversário ao fim de 40 anos. Vou fazer em Março de 2012 40 anos do meu primeiro jogo do FC Porto (*) e nunca pensei ver o Porto perder nas Antas com o Salgueiros (1997) e até com o Boavista e vi em épocas muito próximas e tal nunca sucedera para o campeonato (1998) com os axadrezados. O que me custa é ver a equipa nada fazer para ganhar, arriscando perder tudo, até a auto-estima e o brio profissional que o seu salário não admite empalidecer nem consente reduções/retaliações...
Prometi voltar ao assunto no dia de hoje, ciente, entretanto, de também o mesmo sentimento de vergonha ter espoletado a reacção de quem manda. Porque faz hoje 31 anos que assisti a algo semelhante. O Jorge que tem à margem uma bela caixa de memórias datadas esta não abarcou. E o que vi, e senti, num 2-2 com o Penafiel nas Antas, revoltou-me de tal forma que comecei admitir a vontade de sair de sócio. Acabei por sair, um ano e tal depois, já então por razões várias de índole pessoal e profissional que alteraram significativamente a minha vida, afastando-me do contacto semanal com o complexo desportivo e do clube e até do próprio futebol pela incorporação militar entre 83 e 84.
Há 31 anos, neste dia, o FC Porto tinha saído do "Verão Quente" após a perda do tricampeonato, duas ocorrências difíceis de digerir. Rebelião dos jogadores, Pinto da Costa e Pedroto fora do clube, balbúrdia e falta de pulso da Direcção de Américo de Sá. Gomes saíra para o Gijon e havia muitos cacos a colar. Precisava-se união. Um inesperado 2-1 em Alvalade a abrir o campeonato, com um ataque algo limitado em nomes e credenciais (Coelho, Albertino, Romeu, Costa, Walsh) e um treinador austríaco sem grande nome, abriu boas expectativas e os resultados agradavam, apesar de derrota ao cair do pano em Setúbal e comprometedor empate caseiro com o Varzim, compensados com vitórias no Bessa (1-0) e em Braga (3-0) e sobre o Benfica e o Belenenses em casa. Lembro-me ainda do 6-3 invulgar ao Amora, depois de um desaire em Portimão onde era difícil ganhar. Mas a equipa cambaleava um bocado e nem conseguiu aguentar em Zurique o 2-0 de casa com o Grasshoppers, eliminada com 3-0 na UEFA. Era uma equipa sem ataque preponderante e dos campeões de 79 só restava na frente o extremo José Alberto Costa imparável no pique pela esquerda e Duda tipo nº 10 e bicampeão de 78 e 79 mas já em fim de carreira. A equipa soberba que ganhara, um ano antes, no Milan com golo de Duda e perdera com o Real Madrid por golos fora (2-1 e 0-1) não tinha penacho ou estofo. E como ficou demonstrado no Verão de todas as revoltas nas Antas, com metade do plantel a iniciar a época a treinar à parte em Matosinhos, com Hernâni Gonçalves, enquanto Hermann Stessl ficava com os restos no estádio, faltou liderança directiva do tão contestado Américo de Sá.
Com o Penafiel não faltou muito para a equipa entregar o jogo, deixando-se empatar por duas vezes. Não fosse Walsh, o imperial irlandês mestre do jogo aéreo típico do futebol britânico que enfeitiçava audiências pelo campeonato que era o único seguido em Portugal com exclusiva atenção prendendo os adeptos ao televisor nas finais de Wembley e passando resumos de jogos tão raros naquela altura, e teríamos perdido mesmo. Oliveira, para piorar, era, além de desertor de Verâo e a caminho depois de Alvalade, treinador-jogador do clube da sua terra natal e empatou 1-1 após o intervalo e o golo de Sousa a findar a 1ª parte. Ao 2-1 de Walsh veio o 2-2 de Abel a seguir e ouvi ali assobios como nunca conhecera nas Antas, pois não era moda a massa assobiativa de hoje.
Depois o FC Porto engatou 10 vitórias consecutivas e também lembro a 10ª pelo golo de carrinho, como os britânicos mostravam saber fazer e não era hábito entre nós, de Mike Walsh, chegando primeiro à bola e tocando-a sobre o g.r. do Braga (Quim ou Ferro, salvo erro era um nome curto que não preciso) com quem chocou e lhe abriu um sobrolho. Depois o FC Porto foi perder ao Benfica, com um golo irregular de João Alves de pé em riste antes de disparar de fora da área sobre o intervalo, num raro jogo em directo na RTP creio que ainda a preto e branco, embora a cor aparecesse na tv por aquelas alturas. Mais três vitórias e a última delas com 7-0 à Académica com quatro golos de Walsh todos de cabeça. Por fim, três empates, o primeiro também com o Penafiel, nos últimos quatro jogos e o campeonato perdido para o Benfica por dois pontos que fácil é perceber onde se perderam de forma crucial. E era um FC Porto algo frágil, sem a pujança e alguns dos craques do bicampeonato e nenhuma atenção da Imprensa a não ser quando dava borrasca, tal como hoje...
Poucos pontos em comum entre o Porto-Penafiel de há 31 anos e o Académica-Porto: dantes só Walsh era estrangeiro numa equipa com quase todos os jogadores portugueses de selecção, agora há poucos portugueses mas a apatia foi igual; e Américo de Sá não tinha o ascendente, nem proximidade, que Pinto da Costa tem sobre tudo o que é o FC Porto. Era bom que, como depois daquele incrível 2-2, o FC Porto obtivesse agora 10 vitórias consecutivas que implicariam triunfos em Alvalade e na Luz! Mas pelo menos houve já uma voz de comando que se impôs após a eliminação da Taça de Portugal, algo que se assume estar em falta no balneário actual mas que, há 31 anos, era incompreensível com os vários Sousa, Frasco, Fonseca e Rodolfo, o nosso capitão de sempre, ainda para dar e durar na década de 80.
Comecei a pensar seriamente em deixar de ser sócio com aquele 2-2, até por ter visto Oliveira de cabeça envolta em ligaduras e teatrealizações que já marcavam a sua carreira e nunca abandonou, a festejar de joelhos e braços bem erguidos como se fosse o golo da sua vida virado para os protestos do Tribunal, no sector sul por onde entrava a equipa em campo. Já por razões extra-futebol cheguei mesmo a terminar essa ligação umbilical que o cartão de plástico duro e quebradiço significava e com um número já então relativamente baixo, na ordem dos 13 mil e tal ou até menos. Posso dizer que fui e deixei de ser sócio muito antes de alguns administradores da SAD o serem, sendo mais velhos do que eu... Sentimentalmente nunca desliguei e no final da época lá fui fazer as 7 horas de autocarro pela EN1 (não havia A1) à minha primeira final do Jamor, a de 1-3 com o Benfica e a última em que um jogador (Nené) fez três golos até James Rodriguez igualar o feito na final de Maio passado com o Guimarães.
Integração no mercado de trabalho, cedo interrompida pelo serviço militar, mais a crise e a intervenção do FMI de que nem o triste Mário Soares de hoje (então PM) nem qualquer socialista de pacotilha já recordam tempos austeros mesmo, ditaram essa quebra de vínculo associativo em que, entretanto, passei da quota de "Menor" para a de adulto. Era duro mesmo, até a RTP emitia apenas 8 ou 9 horas por dia e a reclusão militar, especialmente em Mafra, só acentuou essa dificuldade.
O 2-2 com o Penafiel nunca me saiu da memória, pelo laxismo dos jogadores num jogo que foi uma bronca geral sentida por todo o estádio, tendo eu já então bagagem assinalável de jogos por não falhar um nas Antas (e no Bessa, onde adorava ver o dérbi pelo ambiente de estádio britânico que me seduzia). O Almanaque do FC Porto por que tanto ansiava, publicado no final deste Verão com todas as fichas dos jogos, pela dedicação do Rui Miguel Tovar oportuno a aproveitar a época de tantos títulos de 2010-2011, veio trazer-me nomes e datas (* já identifiquei a minha estreia no velho estádio) que a minha memória não podia reter e que situa esse jogo da 12ª jornada a 30 de Novembro de 1980 para efeito estatístico. O essencial tinha retido e não tinha gostado. Fica o desabafo final.

7 comentários:

  1. ah porra, que excelente memória, Zé, e que pena tenho eu de não ser futebolisticamente senciente nesses tempos tão puros.

    já agora, a explicação: a base de dados ainda só se estica até 1985. brevemente vou expandi-la, só preciso de uma de duas coisas: tempo ou ganhar o euromilhões e deixar de trabalhar para poder satisfazer a primeira.

    um abraço e obrigado pela viagem ao passado,
    Jorge

    PS: viste a minha pergunta de hoje no blog? tens alguma resposta?

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  2. Não sei se os tempos eram assim tão puros, Jorge, porque não é verdade o "futebol de cavalheiros" tão apregoado...

    Essa da base de dados já estive para te perguntar "como" e "onde".

    É claro que vi a pergunta e nem sei se devo responder porque não é fácil escolher um jogo, esta vida de dragão só dá campeão e são tantas as memórias, muitas delas ao vivo, que torna difícil escolher, até por motivar uma série de emoções que nem todos partilham da mesma maneira, tal como falha uma certa experiência de vida no futebol à maioria dos que nos visitam - e são poucos mais velhos do que eu e que tenham a memória tão afinada como a minha.

    Já respondi à tua pergunta aqui, a propósito de jogos e de títulos e elegi, pelo significado, o Porto-Benfica de Junho de 78 que só deu empate mas praticamente garantiu o 1º título ao fim de 19 campeonatos. Com tempo responderei no teu sítio, esta noite talvez.

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  3. Zé Luís

    Onde se encontra o almanaque de que fala?

    Tenho vagas memórias desses jogos que fala, talvez com o almanaque conseguisse identificar o meu 1º jogo.

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  4. Justiceiro, o Almanaque esteve à venda no Continente com 10% de desconto, deu 18 euros e tal.

    Creio que na Bertrand, por exemplo, ainda deve encontrar ao preço único de 20 euros e pouco, salvo erro.

    É imperdível, tem todas as equipas em jogos oficiais, à excepção dos Regionais (só os resultados).

    Eu conhecia o Almanaque do Sporting, feito pelo leão RMT, mas ele diz que já fizera um do Benfica, todos no mesmo formato.

    Vale a pena e ajudou-me a situar vários factos da minha/nossa vida de campeão.

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  5. como: com muito trabalho e disponibilidade
    onde: no Porta19 ou perto ;)

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  6. Não é este jogo do meu tempo, apesar de não me soar estranha a narrativa depois de muitos anos passados nas bancadas das Antas a ouvir histórias dos mais veteranos.

    Curiosamente o meu primeiro jogo foi na arquibancada contra o Penafiel, mas em 1987, um 2-0 com golos do Celso e do F. Gomes dos quais pouco me lembro pela idade que tinha apesar de ainda ter vários flahes na memória. Para aprofundar a minha relação com o Penafiel foi também lá, num estádio que é mais um campo de jogos, que realizei a minha primeira cobertura jornalistica de um jogo do FCP, o do titulo de Adriaanse em 2006.

    um abraço

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