21 abril 2015

A dura realidade dos meninos de fraldas

Já se sabia que os centrais são lentos e Fabiano treme enormemente. Até ao 4-0, dos 14 aos 36 minutos, três dos golos do demolidor Bayern podem ser assacados às ineficiências reconhecidas nesses pontos nevrálgicos. Thiago Alcântara não pode marcar de cabeça naquele local e Fabiano reagiu tarde e mal aos 2-0 e 4-0, com o 3-0 surgido de uma jogada de toque que é um hino ao futebol.
E como vejo o Bayern há mais de 40 anos, revendo até o equipamento original desses tempos de lançamento europeu, não esperava outra coisa que não um vendaval de futebol como foi sujeito o FC Porto mal plantado e sem estratégia clara para conter os danos. Bastou aquilo tudo mal lançado desde o início. Em parciais, o FC Porto ganhou duas partes (2-1 e 1-0), empatou uma (1-1) em Munique, e perdeu 5-0 noutra. O suficiente para destroçar qualquer um. A eliminatória não teve 180 minutos, nem 135 até ao intervalo de hoje. Teve 45 minutos apenas. Maus.
 
Só Rúben Neves entrou bem no jogo, ao intervalo. A colocação de Reyes a lateral-direito, sempre em dificuldades pela falta de ritmo e de adaptação para mais frente a um tecnicista de bola no pé como o marcador do golo mundial de 2014, Mario Goetze, foi um sinal de que as coisas iriam correr mal. Tuitei e pensei que RQ7 iria ajudar a defender e ainda ajudou, mas a equipa não saía de trás. Guardiola aproveitou-se desta vez das debilidades portistas na defesa. E Lopetegui voltou a perder a aposta no futuro: se Danilo vai para o Real Madrid e Ricardo Pereira é a opção natural, não apostar nele num jogo destes é mostrar não confiar no jovem também ele adaptado a defesa mas mais natural do que Reyes. E trocar Reyes por Ricardo aos 20 e tal minutos é o reconhecimento do fracasso, já com 3-0 no papo. O Bayern jogava entre linhas, trocava e subia, mudava e insistia, apertava a área com uma tenaz. Deu festival. É normal. Bayern, feiern (festejar em alemão). Mais uma rodada para a mesa bávara.
 
O 3-1 do Dragão enfureceu os bávaros, como era de esperar, depois da tempestade interna causada pela fricção e demissão do departamento médico. Em tão pouco tempo os alemães recuperaram uma condição física invejável e jogaram sempre de frente para a baliza, o que seria impensável mas revelou a fragilidade e falta de entendimento do meio-campo permeável e desunido. Com Brahimi mais uma vez fora do jogo (desde o regresso da CAN), o apoio a Jackson foi inexistente e sem um remate à vista o FC Porto chegou ao intervalo a ameaçar sofrer a maior goleada da sua história na Europa. Os médios nunca se entenderam e sempre mal posicionados e batidos em velocidade e tabelinhas tornou-se imparável a onda germânica e a defesa é que sofreu.
 
Os alemães também sempre me habituei a vê-los reagirem assi,. Especialmente o Bayern. Enfurecem-se até em público, põem os pontos nos ii, não evitam sequer declarações bombásticas, amiúde são as estrelas do passado, como Rummenigge e Beckenbauer, a zurzirem sem piedade nos jogadores e a não admitirem fracassos como o que se adivinhava. É assim o Bayern, sem meias medidas nem paninhos quentes. Um vulcão permanente. Mas que na hora da verdade, normalmente, responde assim. Dá a cara em público. O seu público reconhece-o. O FC Porto sofreu uma lição para a vida. Acabou 6-1, mas mais vale ser com o Bayern do que com o AEK Atenas (lembro-me em 1978 de a ligação via rádio não funcionar e quando ligaram da Grécia já estava 3-0 aos 20 e poucos minutos também...).
 
A dura realidade competitiva é esta. Lopetegui falhou na estratégia e nas opções. Brahimi não rende. Os centrais não melhoram. Fabiano, claramente, não tem a categoria de Helton. Dediquei umas linhas ao assunto aqui há tempos. Faltaram os laterais, mas iria ser sempre difícil. O pior é que Ricardo já está amaldiçoado para o futuro, tal como Reyes. E Lopetegui falhou aí também. É certo que a próxima época será outra época, mas a actual pode começar a ser mesmo perdida no domingo. Um resultado destes não tranquiliza para a Luz.
 
Jackson ainda reduziu, ameaçou um segundo que merecia, a solo e com a sua categoria só, o FC Porto ainda fez correr e suar os de Munique que festejavam merecidamente ao intervalo. O 5-0 ameaçava mesmo romper os 7-1 do Sporting na última visita portuguesa à arena pneumática (forma do revestimento e cobertura do estádio parece um pneu). Xabi Alonso acercou a humilhação e foi a desforra total dos passos e passes errados da semana passada no Dragão. Andava cansado e por arames o Bayern? A meio da 2ª parte ainda não tinham sido feitas substituições e o 5-0 dava todas as garantias. Certo que contou a eficácia, os erros defensivos, mas muito calibre alemão para tão pouca espessura europeia do dragão.
 
Não me admira nem estou chocado com o sucedido. A equipa é a mesma, jovem, que pode borrar-se em fases do jogo, sem poder mudar as fraldas. É o processo natural do crescimento. Não era difícil admitir um 2-0, como disse antes, a dado ponto do jogo. Mas já com 4-0 os bávaros corriam sempre por mais. Sempre os vi assim, o Bayern foi sempre grande mesmo com pontuais derrotas fulminantes, como em Viena e no Dragão. O FC Porto é o único em Portugal que sabe vencer o colosso que é o motor também do futebol alemão campeão mundial. Muita gente esqueceu-se disso. Quem não sabe e não aprende tem estes dissabores. Nada a apontar. Cada um dá o que tem e Lopetegui, com menos meios do que Guardiola, tem muito ainda a aprender. Fica o resultado contundente mas sem beliscar a bela campanha europeia.
 
Mas subsiste o temor de a equipa não aguentar adversários mais fortes e no domingo tem a final da época da qual só pode sair vivo sob pena de morrer cedo depois de tanto querer revitalizar o futebol amorfo implantado já um ano. O bombardeamento mediático vai começar e será torturante...
 
Espero ver o Bayern reabilitado, com Robben e Ribéry, para voltar a ser temível e poder ganhar a Champions. Aquilo não é eficácia, mas futebol do mais alto nível. Gosto destes gajos, admiro-os desde muito jovem, sempre foram uma lição que até os soberbos ingleses aprenderam a contemplar e respeitar seriamente (onze para cada lado e ganham os alemães, Lineker sintetizou). São fortes, determinados, ricos mas esforçados e trabalhadores como poucos. Creio que Barça e Madrid ainda devem ser superiores, mas o 0-4 e 0-1 da época passada não deve repetir-se com os merengues se se reencontrarem e falta estes passarem o Atlético sempre duro de roer.
 
O FC Porto tem de fazer o trabalho de casa, continuar o seu caminho e evitar um desastre no domingo. Não será pouco. O desnorte durou de princípio a fim, com Marcano desastrado nas entradas e expulso e Lopetegui, sabe-se lá porquê, igualmente corrido mais cedo do campo, o que fica mal quando nada justificava.

3 comentários:

  1. Excelente texto, o do Ze Luis.

    E que dizer da dignificante atitude de Lopetegui, que achou bom "só" ter perdido por 3 de diferença na eliminatória?

    Deixo-lhe a minha achega, sobre como vejo este resultado, o jogo e as suas implicacoes:

    Nestas coisas se vê a qualidade técnica de um treinador. A primeira mão foi brilhante, com os seus recursos no máximo e o 11 completo do FCP tem nível europeu. Alem disso, a estrelinha de sorte, própria dos campeões, brilhou do nosso lado. Noite em cheio.

    A segunda mão apresentou um dilema técnico e tactico ao nosso treinador. Dilema difícil, mas com um claro fundo relativamente a necessidades. Sem laterais e perante um colosso europeu que joga em posse e constrói entre linhas, Lopetegui tinha de adaptar alguém. Tinha 3 opções:

    a) Adaptar dois centrais, o que seria catastrófico (e foi), por aniquilar as nossas possibilidades de sair em posse, abrindo portas ao constante sufoco. Os centrais disponíveis eram do tipo posicional, altos e lentos.

    b) Por Maicon na esquerda e Ricardo na direita. Por um lado teria mais garantias defensivas, pelo outro saída e velocidade.

    c) Perante adversários superiores e muito rápidos, e na contingência de discutir a eliminatória longe da nossa grande área, podia ter jogado com Ricardo no lado direito e Rúben Neves no esquerdo. Estou plenamente convencido que, pelo menos, o volume do resultado teria sido outro.

    Lopetegui escolheu a opção a), ninguém sabe por que razão. A superioridade do Bayern explica a derrota. A inépcia de Lopetegui o encaixe de 6 golos. Houve uma simetria quase perfeita entre as duas mãos, no que diz respeito a nossa prestação. Na primeira, rigor tactico tremendo. Na segunda, caos em campo, desde o minuto zero ate ao fim. A aposta em dois centrais para as faixas aniquilou totalmente a nossa transição e permitiu ao Bayern estar sempre em cima da nossa grande área. O excessivo recuo comprimiu a nossa equipa. A ausência de transições, criou descompensações constantes nas marcações, logo em zonas muito recuadas. Lopetegui criou um desequilíbrio já de si inaceitável em embates de menor exigência, quanto mais contra o Bayern. Foi fatal. Note-se que a rapaziada corria, Quaresma ajudava a defender, mas a equipa estava mal montada e mal posicionada. Nada a fazer. Meia hora de jogo, já com 3-0, e estava Lopetegui a tirar o pobre Reyes do campo - a sua própria adaptação! Se isto não é reconhecer a própria falência...

    Pessoalmente, gosto de olhar as derrotas nos olhos. E na minha opinião, não existe nada de honroso na forma como saímos da Champions. Falhámos e de forma crassa. Dizem-me que nada apaga a primeira mão, o que soa estranho depois de se ter perdido a 2a por 6-1, com disparates do treinador misturados. Nada apaga melhor qualquer veleidade de gloria do que uma derrota humilhante. A derrota deve-se ao Bayern e a humilhação a sermos cepos, sobretudo na pessoa do nosso treinador. Pergunto-vos o que ficará para os anais da Champions, na vossa opinião... Obviamente, a forma como o Bayern venceu o Porto por 6-1 (!!!), dando a volta a dois golos de desvantagem.

    E se havia momento em que Lopetegui não podia dar-se ao luxo de inventar e arriscar uma hecatombe no Allianz, era exactamente esta semana. No Domingo temos um jogo de alto risco, em que se joga a época. Uma época em que o adversário tem sido sistemática e constantemente beneficiado pela arbitragem, levando uma vantagem pontual absolutamente fictícia. Não quero pensar em qual será o estado anímico dos jogadores depois de ontem... Perder na Luz - nem falo se com vergonha de resultado - dará a necessária justificação moral para se lançar definitivamente um manto de virgem imaculada sobre o provável titulo benfiquista. Lopetegui revela também uma péssima gestão dos momentos desportivos (já se tinha visto com a absurda rotatividade ate novembro).

    Assim, e numa penada, por ter adaptado Reyes a lateral direito naquele momento, Lopetegui arrisca-se a detonar toda a época. Belo.

    (Eu sei que Jesus vai jogar na retranca, mas se chegamos la ainda abananados com isto, estamos mortos)

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  2. É, tiramos a mesma conclusão. Mas não gosto de ir pelas hipóteses. Basta reconhecer que a assumida falhou. Não faço o totobola à 2ª feira. Nem faço antes sequer. Encarar de frente e seguir para ganhar na Luz. O remédio.
    Recalcou o que escrevi em grande parte.
    Para a história é o que fica. Mas perder 4 ou 5? O Bayern perdeu 0-4 há um ano com o RM. O RM levou 4 do Dortmund. O Barça levou 3-0 e 4-0 do Bayern. Isto supera-se com boas contas e provas. Ganhando a seguir. No big deal. O Bayern é grande, é isto. Vejo disto há mais de 40 anos. E gosto destes gajos, repito. A minha apreciação do futebol começou lá fora. Não cá na parvónia. Tive sempre os horizontes abertos. Sempre.

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  3. Sim, concordo. Eu espero sucesso na recuperação das hostes. Ver o Bayern jogar é um privilégio, mas também, como o Zé Luís aponta, um exemplo de uma cultura de trabalho no centro do sucesso. Já muitos plantéis e jogadores de vários países passaram pelo plantel de Munique, mas essa seriedade e perfil de aperfeiçoamento são uma constante na sua história.

    Não gostei de ver a nossa comunicação bacoca chamar-lhes arrogantes, preparando o caminho a eventuais tiradas moralizantes e castigadoras.

    Para Domingo espero toda a vontade que ontem não vi, porque temos contas a ajustar,

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