16 dezembro 2006

Quaresma no Natal

Vem o Natal e temos Quaresma. O “Harry Potter”, o Quaresma dos golos exuberantes de técnica e dignas obras de arte, além das “assistências” mortíferas. O Quaresma fantasista, mágico, desequilibrador, decisivo, Pai Natal de grande barriga que arrebata os admiradores de barriga cheia. O Porto dependente dele, é outra perspectiva muito em voga: se não fosse ele o líder se calhar seria outro. Quaresma que foi só em Novembro declarado jogador do mês pelo Sindicato dos Jogadores (SJ), cujo critério de excelência (supõe-se) o relegou para segundo plano atrás de Simão no mês anterior sem ter-se percebido a razão.

Santo ou demónio?

Quaresma, fora de quadra própria, nesta época de fim de ano é santificado pelos portistas. Para os adversários é um demónio, ainda que muitos adeptos menos atreitos a avaliar a sua imensa capacidade de improvisação – ele que gosta de “jogar no risco e não ser igual aos outros” de cuja massa não se distinguiria – apouquem tanto o seu papel que só a custo aceitaram a sua última convocação para a Selecção – porque, entretanto, convenceu também os mais cépticos que, em cor clubística, têm só uma tonalidade e um nome.

O FC Porto depende de Quaresma, dizem os distraídos. Invisível no primeiro mês de campeonato, a justificar a sua ausência da Selecção alegadamente a renovar (e apressadamente assumida quando a velha guarda não assegurou êxitos de monta), não deixou sequer de ser titular. Um ano antes, a titularidade só a arrancou depois da derrota caseira com o Benfica. Por esta altura, tinha 3 golos e acabou a época com 5 na Liga. Marcou ao Rio Ave em arco com o “pé trocado” a desfazer o 0-0 e abreviar o 3-0 nos 10’ finais. Estourou de primeira (grande centro de Ibson da linha) em Paços de Ferreira. E em Guimarães fez o mais belo golo de todo o campeonato: troca de pés frente a Svärd, flectiu para o meio e, sem Medeiros tapar, do bico da área, sobre a esquerda, o remate em arco, bola a sobrevoar Nilson e a pingar na “gaveta” superior mais distante. Foi antes da interrupção natalícia, quando o FC Porto se abotou com Helton e Adriano apenas, naquele período balsâmico em que os plantéis necessitados se reforçam mediante voos transatlânticos, e comparáveis à heroicidade de Sacadura Cabral em 1922, e defendidos por chapadas impostas por vigilantes privados de um qualquer aeroporto recôndito onde não se vê a Polícia…

Marca da época passada

Quaresma vai com 5 golos, agora, a marca de cada uma das duas épocas no Dragão. Mais um a estrear-se, em Moscovo, na Europa onde foi um “assistente” especial para mais 8 golos da equipa num grupo só de vencedores de eurotaças. Na Liga, começou a marcar (Leiria), “estacionou” em Setembro e em Outubro deu força e jeito ao descolar vitorioso do líder: golo em Alvalade e o soberbo golo (para todo o ano) ao Benfica, com menos ângulo depois de tirar Nélson do caminho como fez com Svärd. Um golo de impacto pelo adversário que era e na 1ª parte galáctica da equipa que luzia o que então se dizia ser o astro maior, Anderson, susceptível de eclipse por um qualquer pedregulho helénico catalogado de feito cósmico noutra galáxia menos visível.

Esse Outubro, contudo, teria de ser vermelho (o hábito faz o monge) como na história que muitos vêem aos quadradinhos. Também não bastou a influência na goleada ao Hamburgo. Quaresma tornou-se, na ausência de Anderson, o mais desequilibrador. A equipa disparava na liderança. O prémio individual perdeu-se, porém, na poeira de meteoritos e na visão lunática do futebol a preto e branco onde só se vê sombras…

Já marcou de livre, soberbo, em Setúbal. E deu mais “assistências”: Hamburgo e Académica. Alguém, ainda assim, viu-o melhor em Novembro do que em Outubro. Pelo meio, igualou os dotes de atacante aos de melhor defesa: desmentiu categoricamente, em três linhas apenas de texto, interesse em sair do clube, para desconfiança dos próprios portistas. Provou ser mais de um craque, um Dragão de corpo inteiro.

Dezembro, entretanto, trouxe outro golo (Boavista) e mais “assistências”: Boavista e Nacional num virote, iludindo rudes caceteiros e torcedores de magia negra.

Não se vislumbra, com Anderson de muletas, melhor por perto, mas veremos se há golpe de vista para outro astro. Importa diversificar, a bem da indústria…


Quantos mais, melhores

Até uma altura era o Anderson. Lisandro, de somenos, e Lucho parecia comum mortal, acessível até aos pobres de espírito. O Porto de Anderson-dependência é agora o dependente de Quaresma, quando não dos golos de Postiga porque alguém os constrói e, por isso, seria desprezível se não fosse uma fonte de alimentação porventura inesgotável.

É o desespero dos rivais, o desencontro de opiniões (quem é melhor, mais eficaz e desequilibrador) a razão de ser dos inêxitos de quem olha com inveja mas admite que, por exemplo, Simão está ao nível de Quaresma mas o resto da equipa não, tal como Moutinho carrega o Sporting mas os goleadores passam ao lado da baliza.

Então não é um jogador que decide o campeonato. É uma equipa, que tenha vários jogadores de jeito e bons de preferência, tanto que o episódico apagar de uma lâmpada não afecta o rendimento luminoso do conjunto.

Para lá de Quaresma há uma equipa a carburar muito bem, sincronizada, competente a defender e contundente a marcar golos, items com estatísticas invejáveis também no líder. Quem só vê uma árvore não se apercebe da dimensão da floresta.

Quaresma bem merece os elogios, na esteira do sucedido há um ano. Não houve unanimidade sobre qual o melhor jogador da época passada: Lucho, Quaresma, Assunção, Pepe, Helton, até Baía e Adriano. Quando se perdeu Anderson por uns meses as suspeitas vozes catastrofistas ouviram-se mesmo baixinho. Se Quaresma brilhar menos, há Lucho, Lisandro, Jorginho. A equipa, porém, diria Galileu apóstata, move-se.

O FC Porto recuperou Bruno Moraes em bom tempo, tem Adriano na rampa de lançamento e terá Anderson para a Champions. Como é diferente a perspectiva do Dragão!

Mercado aberto

Entretanto, o Natal promete prendinhas com sucesso garantido, boa ressonância mediática e rivais entusiastas em brindes a novo ano. Champanhe na moda no calor da noite do 31…

De repente, até o fracasso total não invalidou uma manchete de um dia só: Moutinho seduzira o Inter (Record), como a paixão digna de uma medusa por um camafeu…

Não só: o inêxito de outros não beliscou a cotação de Nélson, a quem nem o grande golo de engate em Manchester lhe valeu, no Record, evitar uma “medalha de lata” por ter sido batido em dois golos dos ingleses. De herói e putativo Lord a vilão da coroa furada, mas abençoado por uma alegada oferta de 25 milhões de euros e dos “mercados do costume” citados na rádio por um empresário de quem nem percebi o nome…

O mercado está para reabrir e de tal forma “liberal” que, no México, em nome da globalização que não é só para o McDonald’s, sem se saber de banhos de multidão ou outros, o presidente do Benfica foi obsequiado como novo conquistador dos aztecas: com a perspectiva de comprar um clube local; adquirir uns jogadores ao pacote, quiçá declarar só um e deixar outro em nome duma “off-shore” a caminho de volta; ou porventura “cambiar” Kikin (cujo ancestral português poderia ser um Joaquim Fonseca) por Simão, a quem alvitravam um preço, baixote como ele, de 10 milhões de euros. “Cojones, hijos de puta slb”, em gritaria para desvalorizar a mercadoria, a compensar a queda da coca.

Ah, mas a manchete do dia seguinte (porquê sempre o Record?) já punha o cai-cai na órbita do Manchester United. Há instituições que só têm cotação ou na Baixa da Banheira ou no mercado bollywoodesco na versão indiana da indústria de filmes para multidões ignaras…

2 comentários:

  1. A conclusão a que cheguei aquando da carta que Quaresma escreveu foi que Quaresma quis mostrar o quanto queria ficar por cá, aproveitando para fazer um favor à direcção que já não conseguia conter as investidas de outros clubes. Matou dois coelhos com um só tiro. Eu tinha razão para as minhas dúvidas em relação à carta, mas, e felizmente para mim e para os portistas, as intenções foram as melhores e o Quaresma provou que ama o clube e que não é só o dinheiro que o faz jogar e marcar golos.

    De resto excelente texto sobre o Universo azul e branco e as suas estrelas mais cintilantes.

    Esta frase é do melhor:"o astro maior, Anderson, susceptível de eclipse por um qualquer pedregulho helénico catalogado de feito cósmico noutra galáxia menos visível."

    Só quem tem estrelas pode estar sempre dependente delas. E para grande azia dos adversários sai um jogador de quem o FCPorto está dependente e logo a seguir se consegue arranjar outra dependencia.

    E sem dúvidas que neste momento o Quaresma é no FCPorto o sol da nossa galáxia, mas uma galáxia, como todos sabemos tem milhões de estrelas.

    Um abraço.

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  2. Caro Zé Luis

    Estrelas no futebol e também na escrita.
    Espectacular, extraordinário post sem mais palavras.

    Saudações Portistas
    Zé Manel

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